quarta-feira, 12 de janeiro de 2011
Você é brega?
por Luiz Felipe Pondé para Folha
Conversando com uma jornalista de uma importante revista do mercado editorial recentemente, usei algumas vezes a palavra "brega" e ela me perguntou: "Pondé, o que você quer dizer com a palavra brega? Para mim, brega é usar bota branca".
Cumpro aqui a promessa que fiz a ela: vou dizer o que eu acho brega, e você vai ver como vivemos numa época brega.
Antes, um reparo: "brega" normalmente quer dizer coisa cafona, de mau gosto, como gente chorando em programa de TV para dona de casa, churrasco na laje como estilo de vida ou feijoada com pagode (sua presença será perdoada só se você estiver lá para pegar alguém, claro, aí, com Deus ou sem Deus, tudo é permitido).
Outro reparo: para os eruditos, sei bem que sou acusado de estetizar a ética (nisso tenho comigo um excelente cúmplice, Nietzsche). Explico: estetizar a ética é tornar o problema do bem e do mal mera questão de gosto, coisa de gente blasé.
Assumo o risco, quem ficar bravo pegue uma senha. Sei bem que o problema do bem e do mal não se reduz à questão de gosto, mas, num mundo como o nosso, defender-se desse mau gosto que é fazer marketing de comportamento é uma obrigação de qualquer pessoa de bom gosto.
Ser brega é:
1) Querer ser chique. Essa é terrível. Nada mais brega do que se preocupar com o que os ricos pensam de você. Confundir "ter dinheiro" com "ser chique" é coisa de gente pobre de espírito. "Ser chique" é como ter olho azul ou verde: se você não tem, azar o seu, se colocar lentes de contato com cor, será ridículo, como homem careca que usa peruca ou homem que pinta o cabelo.
2) Achar que seu filho não sofre dos males que os filhos dos outros sofrem. Crer que seus filhos não falam bobagens nas redes sociais. Achar que eles gostam mesmo de pepino e berinjela e que são mesmo pessoas preocupadas com o ambiente aos 12 anos de idade.
Some a essa breguice sua crença de que seu "filho consciente" é a prova viva de que você o educou bem e veja nisso uma prova de que você é mesmo legal. Gente assim coloca fatias de laranja italiana em jarras de água em festas e adora receber e fazer elogios no Facebook. Além, é claro, de criar vira-latinhas como prova de consciência social.
3) Achar avião chique. Tirar foto dentro do avião ou de você "com a Monalisa". Ir ao Louvre. Confundir "fazer turismo" com "conhecer o mundo". Uma diferença grande é: se quando voltar, você quiser muito contar para os outros onde foi que você fez turismo.
4) Acreditar em energias. Dizer que "você tem um deus dentro de você" e que ele "lhe entende". Deus deve ter bode de gente como você.
5) Querer que pensem que sua filha é sua irmã. Achar legal ela ser mais careta do que você. Pedir conselhos amorosos para ela.
6) "Respeitar" seu parceiro. No caso dos homens, dizer coisas como "Eu acho que as mulheres são vítimas sociais". Isso é papo de quem só pega mulher chata e feia ou nunca pegou mulher nenhuma.
7) Você até pode ser uma pessoa "fiel" e "honesta", mas, se você conseguir resistir à infidelidade e a "roubar no jogo" seja lá no que for e achar que resistiu não porque você teve medo ou porque a oportunidade não foi tão boa (o que você tem em casa é melhor, por exemplo, ou o risco de ser pego não vale a empreitada), você é mesmo brega.
Se você sabe que está mentindo, você é apenas hipócrita, se acredita mesmo na sua falsa virtude, é brega. Nada mais brega do que acreditar que você tem virtudes quando, na realidade, faltam oportunidades para você realizar seus vícios.
8) Ter sensibilidade de classe média: sonhar com ambientes de gente rica. Achar legal ser celebridade. Pegar trânsito para ir à praia em feriadões. Vestir-se para festa quando você vai a shopping centers.
9) Dizer que "você quer ser feliz" ou que não tem preconceitos. Acreditar numa vida saudável e na psicologia de recursos humanos aplicada à sua vida pessoal: confundir ter amigos com fazer networking, "agregar valor" a si mesmo, fazer marketing pessoal ou marketing do bem.
10) Acreditar em si, na natureza, no progresso da humanidade, na vida e na energia do Réveillon.
Postado originalmente em Paulo Lopes Weblog
sábado, 8 de janeiro de 2011
Ateus e Ateus
Há dois tipos de ateus: os que não acreditam que Deus existe e os que acreditam piamente que Deus não existe. Os primeiros relutam em crer naquilo de que não têm experiência. Os segundos não admitem que possa existir algo acima da sua experiência. A diferença é a mesma que há entre o ceticismo e a presunção de onissapiência.
Acima da distinção de ateus e crentes existe a diferença, assinalada por Henri Bergson, entre as almas abertas e as almas fechadas. Vou explicá-la a meu modo. Como tudo o que sabemos é circunscrito e limitado, vivemos dentro de uma redoma de conhecimento incerto cercada de mistério por todos os lados. Isso não é uma situação provisória. É a própria estrutura da realidade, a lei básica da nossa existência. Mas o mistério não é uma pasta homogênea. Sem poder decifrá-lo, sabemos antecipadamente que ele se estende em duas direções opostas: de um lado, a suprema explicação, a origem primeira e razão última de todas as coisas; de outro, a escuridão abissal do sem-sentido, do não-ser, do absurdo. Há o mistério da luz e o mistério das trevas. Ambos nos são inacessíveis: a esfera de meia-luz em que vivemos bóia entre os dois oceanos da claridade absoluta e da absoluta escuridão.
O simbolismo imemorial dos estados "celestes" e "infernais" demarca a posição do ser humano no centro do enigma universal. Essa situação - a nossa situação - é de desconforto permanente. Ela exige de nós uma adaptação ativa, dificultosa e problemática. Daí as opções da alma: a abertura ao infinito, ao inesperado, ao heterogêneo, ou o fechamento auto-hipnótico na clausura do conhecido, negando o mais-além ou proclamando com fé dogmática a sua homogeneidade com o conhecido. A primeira dá origem às experiências espirituais das quais nasceram os mitos, a religião e a filosofia. A segunda leva à "proibição de perguntar", como a chamava Eric Voegelin: a repulsa à transcendência, a proclamação da onipotência dos métodos socialmente padronizados de conhecer e explicar.
A religião é uma expressão da abertura, mas não é a única. A simples admissão sincera de que pode existir algo para lá da experiência usual basta para manter a alma alerta e viva. É possível ser ateu e estar aberto ao espírito. Mas o ateu militante, doutrinário, intransigente, opta pela recusa peremptória do mistério, deleitando-se no ódio ao espírito, na ânsia de fechar a porta do desconhecido para melhor mandar no mundo conhecido.
Dostoiévsky e Nietzsche bem viram que, abolida a transcendência, só o que restava era a vontade de poder. Aquele que proíbe olhar para cima faz de si próprio o topo intransponível do universo. É uma ironia trágica que tantos adeptos nominais da liberdade busquem realizá-la através da militância anti-religiosa. As religiões podem ter-se tornado violentas e opressivas ocasionalmente, mas a anti-religião é totalitária e assassina de nascença. Não é uma coincidência que a Revolução Francesa tenha matado dez vezes mais gente em um ano do que a Inquisição Espanhola em quatro séculos. O genocídio é o estado natural da modernidade "iluminada".
Olavo de Carvalho
Jornal do Brasil, 15 e março de 2007
quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
O Feminismo Radical
TEXTO DE CINTIA FULADOR.
Prezada Inês de Castro,
Ouvi hoje, 08.04.09, seu comentário no "Por dentro do Espelho", aí na Band News FM.
Postado originalmente em: Cigarettes, Alcohol and Football