“Um dia um aprendiz perguntou a seu mestre qual a diferença entre o céu e o inferno, e o mestre respondeu:
- Amado aprendiz, o inferno é como um grupo de pessoas sentadas ao redor de um monte de arroz delicioso, cada uma destas pessoas com talheres muito longo e por este motivo, estas pessoas não conseguem colocar o arroz na própria boca, por seu egoísmo (falta de compreensão!) morrem de fome.
- Já o céu, é um outro grupo de pessoas também sentadas ao redor de um monte de arroz, também com talheres muito longo, só que cada uma destas pessoas alimenta a outra, e por este motivo todos ficam satisfeitos e felizes.”
É verdade que não saberemos o real significado de dois lugares tão paradoxais e etéreos em vida, mas isso me fez questionar a possibilidade da existência de um céu e um inferno mesmo no mundo material.
Ora observando, ora participando, ora protagonizando episódios que se repetem como ciclos na vida de tantas pessoas, vejo como a mesma situação ou experiência pode ser encarada com conotações completamente diferentes por quem as vive direta ou indiretamente, abrindo espaço para a compreensão da noção a piori de céu, inferno e quem sabe até um purgatório físico/mental.
Sempre que somos colocados em situações de extrema carga emocional/sentimental somos levados a nossos extremos de conduta, de comportamento, permitindo que nossa consciência busque no âmago do nosso ser, forças, respostas, conformismo, ou mesmo um estado débil de contentamento (estado esse mais ligado ao purgatório físico). A diferença me parece estar ligada à forma como cada indivíduo encara essas experiências extremas, sendo fácil detectar as pessoas que optam por levar situações de forma mais realista, outras de forma mais emotiva, e outras de forma indiferente.
Cumpre frisar que dentro dessa análise não estou sequer analisando a possibilidade de absorção de conhecimento, bagagem de vida ou mesmo aplicação de situações traumáticas anteriores na resiliência dos fatos que servem de embasamento empírico para o que desenvolvo nesse argumento; trato aqui, apenas de uma escolha quase que instintiva de maneiras diversas de encarar as desventuras ou exacerbados sucessos a que estamos sujeitos ao longo de nossa jornada nesse imenso jardim do Éden, hoje com tantas e tantas árvores de frutos proibidos cada vez mais frondosas e apetitosas aos nossos olhos, que já se identificam com tais frutos não somente com a curiosidade da primeira mulher que o provou, mas com o temível conhecimento do bem e do mal, o tornando não somente a refeição principal do que nos afasta do paraíso, mas como uma doce e fatal sobremesa que chega ao estômago envolta em chamas furiosas.
É sempre mais convidativo à natureza acomodada e territorialista humana optar por levar tudo para o lado pessoal, principalmente quando estamos no pólo socialmente vitimizado da contenda, nos tornando convenientemente dignos de compaixão geral e opinião pública favorável, principalmente no contexto da sociedade brasileira, marcada por características mais cálidas, amistosas, abertas, para não dizer emocionais, frívolas e orgiásticas. O grande problema é que esse tipo de atitude, apesar de abrasadora para egos e consciências, é o que torna o homem para o lado do inferno em vida, trazendo para si perturbações e inquietudes infindáveis e sucessivas, ao contrário daqueles que aprenderam a adotar uma postura mais fria, madura e realista a despeito de eventualidades que possam atingi-lo pessoalmente (uma vez que é notoriamente fácil reagir com frieza, altivez e aparente maturidade diante de situações que não nos afetam interior, fisica ou financeiramente).
No meio do caminho estão aqueles que com sucesso amortizaram seus egos, vontades e desejos, ainda que não completamente, mas o suficiente para desfrutarem de um nível satisfatório de desapego, superação e indiferença quando colocados diante de medos, perdas e revezes, apenas sobrepondo-se a todo tipo de contrariedade, contudo sem se polarizar e transformar aquilo numa oportunidade, lição ou plataforma de transformação em algo positivo ou desejável. Geralmente essas pessoas são menos atormentadas em vida, porém possuem menos propensão para assimilar grandes alegrias e estados de prazer, uma vez que resignaram-se de tais sentimentos, bem como dos negativos outrora mencionados.
E por fim chegamos ao conhecimento dos querubins e serafins tácteis, aqueles que não só saíram do estado de penúria terrena, mas também impuseram silêncio aos desejos rasteiros humanos, vencendo a si mesmos, mas ainda foram capazes de fazer disso algo divino; que passa da água e do metal, surpassa o vinho e o ouro, atingindo um estado nobre de vida, como um processador de espinhos que fabrica pétalas perfumadas de rosas, que embora possuam espinhos para ensinar o preço de tudo na vida, inundam por onde passam com beleza, perfume e suavidade. São os esclarecidos de corpo, alma e espírito, que pouco valor dão a si mesmo, não se permitem identificar com a pequenez e o vazio terrenos, mas se encontram conscientemente num plano elevado de existência, como um corpo que vaga pelo mundo material, mas cujos olhos e espírito já estão no pós-morte, o paraíso.
Como tudo na vida, a escolha é particular, o caminho estreita-se à medida que subimos nossas pretensões. Mas como aquele que esvaziou-se de si voluntariamente sem carregar culpa alguma sempre estará sob o domínio das três áreas que parecem nos cercar antes mesmo da morte física. Que o sol brilhe fulgorosamente sob a face dos que para cima olham, enchendo suas vidas com o calor, a energia e a força necessárias para que alvas asas se abram por trás dos olhos dos que sonham e lutam.
"O que podemos saber é muito pouco e, se esquecemos o quanto nos é impossível saber, tornamo-nos insensíveis a muitas coisas sumamente importantes" Bertrand Russel
Nenhum comentário:
Postar um comentário