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segunda-feira, 14 de junho de 2010

O Mito do Amor Romântico

A maneira como se dá os relacionamentos em nossa sociedade é interessante sob vários aspectos. Otimiza o cuidado parental, torna a família uma célula organizada da sociedade, permite a estipulação dos papéis sociais de forma clara. Enfim, é parte de um sistema social que indubitavelmente promove a coesão da espécie.

Mas para que estes relacionamentos ocorram, é necessário subjugar alguns comportamentos instintivos à outros. Estes últimos foram supervalorizados em nossa cultura, gerando valores que podem ser denominados de forma única como amor romântico. Este mito exige um sentimento idealizado e vem acompanhado de uma série de exigências extremadas, que levam à eterna frustração e à rima poética na forma de doxa entre amor e dor.

Vamos analisar, então, o que caracteriza o amor romântico como um mito a ser extinto.

Característica 1: O verdadeiro amor é único e eterno.



A cada vez que nos apaixonamos, aquele parece ser o “verdadeiro amor”, e acreditamos que ele durará para sempre. Esquecemos que pensamos o mesmo de cada amor passado e já findo. Se acabou, consideramos que o relacionamento não deu certo – mesmo que ele tenha durado 10 anos!

Esta crença leva a inseguranças e frustrações.

Insegurança, porque o(a) parceiro(a) provavelmente teve outros amores antes. E se este amor anterior é que era o verdadeiro, não haverá lugar para você.

Frustrações, porque se o amor deve ser eterno nos esforçaremos ao máximo para mantê-lo – mesmo que ele tenha se acabado.

A verdade é que nós temos vários amores durante a vida, mesmo porque não somos sempre os mesmos. Cada amor é verdadeiro em seu contexto.

Característica 2: O amor verdadeiro se dá entre almas gêmeas.



Cada indivíduo é composto por suas características inatas e o conjunto de experiências pessoais. A possibilidade de existirem duas pessoas iguais, ou perfeitamente complementares, tende a zero partindo do universo negativo. Ou seja, é mais fácil ganhar na mega-sena.

O amor sólido, que permite uma boa convivência e traz satisfação a ambas as partes, na realidade só exige alguns interesses em comum, uma certa similaridade intelectual, e, principalmente, o compartilhamento de valores básicos.

É como as grandes amizades, que perduram por anos. Amores têm que ser, basicamente, amigos. Este é o máximo de similaridade concretamente possível.

Característica 3: Dedicação exclusiva.



O amor verdadeiro nos completa em todos os aspectos. Família e amigos devem ser acessórios secundários e dispensáveis. Suas atividades são sempre conjuntas, porque tudo se torna tedioso quando o grande amor não está presente. Não são mais indivíduos em separado – são agora um só, indissociáveis.

Bem, a grande verdade é que não há pessoa no mundo que possa nos completar em todos os aspectos. Isso porque, além de não existirem almas gêmeas, é impossível que uma mesma pessoa ocupe todos os loci sociais de nossa vida.

Isso leva a cobranças e mais frustrações. Exigimos esta onipresença do(a) parceiro(a), e queremos que ele(a) vista o papel de nosso próprio espelho. Além disso, perdemos nossa própria individualidade.

Característica 4: Fidelidade absoluta.



liv tylerSe há um grande amor, não é possível que haja o desejo por outras pessoas. Temos o direito e o dever moral de cobrar este comportamento do outro, e a infidelidade sexual é a maior traição possível dentro de um relacionamento romântico.

Não vou defender, por isso, que não haja monogamia. Sentimos ciúmes, insegurança, queremos o outro em exclusividade. Tudo bem.

Não é necessário, entretanto, colocar o outro em uma redoma de vigilâncias e cobranças, e se sentir ultrajado(a) ao menor sinal de que seu parceiro(a) percebe que existem outras pessoas no mundo além de você.

Seu namorado não está te traindo ou pensando em te deixar só porque ele assiste vídeos pornôs na internet ou tem sua coleção particular da Playboy. Conversar com aquela amiga não significa que ele tenha a intenção de levá-la para cama – e, se tiver, não é você proibi-lo que vai impedir que aconteça.

Sua namorada pode perfeitamente se dizer atraída pelo Antônio Banderas sem, no entanto, considerar que ele seria melhor para ela do que você. Os amigos dela provavelmente são amigos, mesmo. Se ela tivesse interesse sexual neles, estaria com eles – nada a prende a você, a não ser a vontade dela. Sair com roupas curtas que atraem a atenção de outros homens significa que ela gosta de ser desejada, mas não significa que ela queira exercer este desejo com outro homem que não você.

A neurose da infidelidade só leva ao stresse de ambas as partes no relacionamento, e não há nenhuma maneira efetiva de evitar que traições aconteçam. Qual o sentido, então?

Característica 5: Homem não chora e mulheres são anjos sexualizados.



O homem perfeito no amor romântico não sente insegurança ou medo. Não fracassa nunca. É o provedor, o protetor inabalável, cheio de coragem, inteligência, honra e senso de justiça. Ele pode tudo, mas é também sensível, compreensivo e apaixonado. Enfim, é uma mistura bizarra de Chuck Norris e Humphrey Bogar em “Casablanca”.

Seria ideal que, ao passarmos da infância, pudéssemos perceber que super-heróis não existem. Mas estamos na infância dos nossos valores romantizados. Os homens acreditam que este ideal platônico deva ser atingido, e são pressionados por todos e por eles mesmos para serem nada menos do que isso. Simples, né?

As mulheres também acreditam que isso exista. Sonham com este homem! Assim, além de auxiliarem muito nesta pressão social insana sobre o ideal masculino, se sentem eternamente frustradas por não encontrá-lo.

Já as mulheres, no ideal romântico, são anjos. Musas de inspiração para os poetas, dotadas de beleza e delicadeza sem igual na natureza. São virtuosas e pacientes, com uma sensualidade que deve explodir no momento certo. É a mistura de Marylin Monroe com Liv Tyler no papel da princesa elfa Arwen (Senhor dos Anéis).



Não preciso dizer que este ideal de beleza leva as mulheres á anorexia, implantes de silicone, botox e a eterna insatisfação com a própria aparência. Assim como os homens, elas também acreditam que o ideal existe sem Photoshop e que deve ser conquistado.

A idéia da “put@ na cama e perfeita dama na sociedade” gera patricinhas frescas nas ruas que fingem orgasmos com os respectivos parceiros na cama, e que mesmo assim estão a anos-luz da mulher ideal. E sabem disso.

Os homens, imersos nesse conto de fadas, colocam as mulheres num pedestal do qual elas jamais podem cair. Se frustram, é claro. Ao mesmo tempo, se sentem fracassados por não conseguirem conquistarem mulheres ideais – e não percebem que não conseguem simplesmente porque elas só existem em suas ilusões.

É engraçada essa contradição que existe no amor romântico. Exigimos do outro qualidades que nós mesmos somos incapazes de ter.

A verdade é que o protótipo do homem ideal dificilmente seria um bom companheiro numa relação duradoura. Ele seria inacessível e perfeito demais. Não é o tipo do homem que vai tomar sorvete sentado com você na escada da entrada do prédio, que vai assistir filmes trash de zumbis na seção coruja ou que vai realmente entender e compartilhar o medo que você está sentindo de encarar a entrevista de emprego na manhã seguinte.

Já a mulher ideal não te acompanharia no churrasco de domingo, não assistiria filmes de ação ou terror com você de madrugada, não seria capaz de te apoiar numa decisão difícil e você deveria sempre ser responsável por ela.

Conclusão



O principal motivo de desentendimento entre homens e mulheres em um relacionamento ocorre porque não somos conscientes dos paradoxos de nosso comportamento social, e cada um dos gêneros se sente insatisfeito no que se refere aos seus desejos. O culpado sempre é o outro, por representar exigências que levam inexoravelmente á frustração.

Mas nós somos pessoas, com defeitos e qualidades, e contos de fadas não existem. E é bom que seja assim. Está na hora de crescermos.



por Paula M. Costa

sexta-feira, 4 de junho de 2010

O sexo triste dos jovens


"Procuro ser aberta ao novo, ao que me agrada no novo e também ao que exige um certo tempo para ser assimilado. Às vezes há o que não vale a pena ser assimilado, então, vou buscar outras paisagens. Eventualmente não sabemos se vale ou não, então, a gente fica humilde e espera. Uma novidade (para mim) espantosa, narrada e confirmada em mais de um lugar no país, é dessas que não quero assimilar. Se possível, enterrava numa cova funda, varrida para baixo de mil tapetes, fazia de conta que não existia: o sexo (ou simulacro de sexo) sem encanto, sem afeto, sem tesão, o sexo triste ao qual são coagidos pré-adolescentes, quase crianças, em famílias de classe média e alta. Essas que pensamos estar menos expostas às crueldades da vida.

Talvez eles não precisem comer lixo, correr das balas dos bandidos, suportar brutalidades e incestos, tanto quanto os mais desvalidos. Seu mal vem sob outro pretexto: o de ser moderno e livre, ser aceito numa tribo, causar admiração ou inveja. Cresce, que eu saiba, o número de meninas de 12 a 14 anos grávidas. O impensável ocorre muitas vezes em festinhas nas quais se servem bebidas alcoólicas (que elas tomam, ou pagariam mico diante das amigas, e com essa desculpa convencem os pais confusos), não há nenhum adulto por perto (seria outro mico, e assim elas chantageiam os pais omissos), e ninguém imaginaria o que ia rolar.

Nessas ocasiões pode rolar coisa assombrosa sob o signo da falta de informação, autoridade e ação paternas. Nem sempre, mas acontece. Crianças bêbadas no chão do banheiro de clubes chiques, adultos cuidando para não sujar o sapato no vômito não são novidade (ambulância na porta, porque algumas dessas meninas ou meninos passam mal de verdade); quantas meninas consigo beijar na boca numa festinha dessas? Em quantos meninos consigo fazer sexo oral? Sexo que vai congelando as emoções ou traz uma doença venérea, quem sabe uma absurda gravidez – interrompida num aborto, de sérias consequências nessa idade, ou mantida numa criança que vai parir outra criança.

"Roubaram a sexualidade desses meninos", me diz uma experiente terapeuta. Não deixaram tesão nem emoção, mas uma espécie de agoniado espanto, nessas criaturas inexperientes que descobrem seu corpo da pior maneira, ou aprendem a ignorá-lo, estimuladas ou coagidas por incredulidade ou fragilidade familiar, pelo bombardeio de temas escatológicos que nos assola na TV e na internet, com cenas grotescas, gracejos grosseiros em torno do assunto – "valores" e "pudor", palavras hoje tão arcaicas. Efeito da pressão de uma sociedade imbecilizada pela ordem geral de que ser moderno é liberar-se cada vez mais, sem saber que dessa forma mais nos aprisionamos. Precisamos estar na crista da onda em tudo, tão longe ainda da nossa vida adulta: sendo as mais gostosas e os mais espertos, desprezando os professores e iludindo os pais, sendo melancolicamente precoces em algumas coisas e tão infantilizados e ignorantes em outras, nisso incluindo nosso próprio corpo, emoções, saúde e vitalidade.

A nós, adultos, cabe não desviar os olhos, mas trabalhar na esperança (caso a tenhamos) de que nossos adolescentezinhos, às vezes ainda crianças, vivam de maneira natural essa delicada fase, e um dia conheçam o sexo com ternura, na tesão de sua idade – forte e boa, imprevista e imprevisível, com seu grão de medo e perigo, beleza e segredo. Que essas criaturinhas sejam mais informadas e mais conscientes do que, muito mais protegidas que elas, nós éramos. Mas seguras e saudáveis, não precisando lesar sua bela e complexa intimidade com tamanha violência mascarada de liberdade ou brincadeira. Sobretudo, sem serem estimuladas a lidar de modo tão insensato com algo que pode lhes causar traumas profundos, ou anular um aspecto muito rico de sua vida. É difícil, mas a gente precisaria inventar um movimento consciente, cuidadoso, responsável, contra essa onda sombria que quer transformar nossas crianças em duendes pornográficos, deixando feias cicatrizes, e fechando-lhes boa parte do caminho do crescimento e do aprendizado amoroso." Lya Luft