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segunda-feira, 21 de maio de 2012

As Seis Doenças do Espírito Contemporâneo - Catolite

Muito se fala hoje sobre doenças físicas e psicológicas; mas pouco se estuda sobre as enfermidades do espírito. É comum presenciarmos ou ouvirmos falar de pessoas que tem algum tipo de distúrbio que não é físico; e tampouco psicologicamente definido (embora sempre se procure atribuir a alguma desordem da psique quando há algo de errado com a pessoa e não se sabe definir bem o que ocorre). Esse lapso se dá devido ao pouco estudo e desconhecimento quase generalizado sobre essa área.

E em sua principal obra, o filósofo romeno Constantin Noica descreveu seis doenças que permeiam o espírito do homem contemporâneo.

A primeira delas é a catolite; definida como o conjunto de anomalias provocadas, nas coisas e nos homens, pela carência do geral. Essa doença parte do pressuposto de que nada no mundo pode ser inteiramente desprovido de um sentido geral.
Essa ideia permeia qualquer concepção básica do conceito de democracia e política social liberal. É impensável organizar uma sociedade democracia (com participação popular), onde os cidadãos não são criados e educados com um senso de civilidade, cidadania, e de que o bem comum deve prevalecer sobre a comodidade individual. Creio que nem seja preciso me estender muito nesse raciocínio para que constatemos que essa é uma doença imensamente difundida na cultura brasileira; afinal somos o país do jeitinho, da malandragem, do "só uma vez não tem problema".

Inicialmente, o autor começa a dissecar os efeitos da catolite em grandes nomes do passado e principalmente em ditadores, como Napoleão Bonaparte; que apesar de ter sido um grande conquistador, acabou sucumbindo em seus próprios interesses; sendo que poderia ter ido tão mais longe, se tivesse em mente, objetivos voltados para o bem estar geral, e não apenas para si mesmo.

Mais adiante, são explicados em detalhes os efeitos da catolite no homem comum. Nenhuma palavra poderia descrever melhor a ideia do que as utilizadas pelo próprio Noica:

"A ignorância do geral parece, de fato, ser de rigor em tal homem. Ademais, a falta de sentido e a própria ignorância dessa falta assumem, na juventude, formas a tal ponto sedutoras que cabe perguntar se ainda se pode ver aí uma "doença espiritual". O ser jovem começa, naturalmente, por se abrir a determinações que não tem muito de transcendência. Assim como a criança experimenta a "sede de nomear", ou seja, de fixar as coisas dando-lhes nome, ou, mais tarde, a sede de ter contato com os objetos, na mais pura gratuidade do gesto, simplesmente para ver de que são feitos e para poder manipulá-los, assim o homem, em sua primeira idade - e em sua primeira precariedade -, se dá todas as espécies de determinações e se satisfaz, simplesmente, com sua riqueza, sem se preocupar com uma ordem geral nem com sua necessidade.
(...)
Que dizer, então, de Santo Agostinho, que prolongou muito, até seu encontro com o maniqueísmo (essa primeira oportunidade de entrar na ordem que se oferecera a ele), os anos em que o único sentido da vida possível era a plenitude e a variedade das determinações que os indivíduos se dão e que não remetem a nada senão a si mesmos?
Os homens que não vão muito longe na veia do humano não ultrapassam nunca essa primeira idade, a idade das livres determinações e manifestações - a idade da "caça", como dizia Pascal, e da distração em todas as suas acepções, incluindo a de levar a sério a vida e seu fútil turbilhão de acontecimentos -, e, assim, sua vida se reduz a uma simples sequência de determinações, cuja trajetória seria "o tempo de uma vida".¹ Mas desenham-se já, nesses homens, em seus sobressaltos febris, os primeiros sinais de doença espiritual. Cada vida, até mesmo as que se escoam em perfeita inocência e com aparente saúde, desenvolve em seu seio formas benignas de catolite. A distração, que é, no fundo, uma das grandes vitórias que o homem alcançou sobre a necessidade cega, pode transformar-se para ele em castigo. ("A sociedade das distrações", suspirou-se por vezes com inquietude.) Certos teólogos, aliás, descreveram o Inferno como uma festa que começa, prossegue, se estende e não acaba mais... e, assim dilatada, revela seu vício oculto²."


¹ É desnecessário enfatizar que praticamente toda a literatura brasileira, com exceções que se contam nos dedos, se esgota na contemplação do "fértil turbilhão", sem sequer se colocar a questão de um sentido geral.

² Veja-se, nos anos recentes, a extensão progressiva do carnaval brasileiro para trás e para adiante dos três dias que o demarcam no calendário





segunda-feira, 14 de maio de 2012

O belo, o justo e o moral


Quem pretende compreender essa reflexão, deve, antes de tudo, assistir a um documentário que servirá de base para boa parte do que será dito adiante - Why Beauty Matters (Por que a beleza importa)

http://www.youtube.com/watch?v=csBzlE-PQOU

Ele discorre sobre a beleza e a capacidade de compreensão do belo, bem como sua relação com bom senso e a moralidade. E como a arte moderna é tão pobre e reflete o vazio que a sociedade em geral mergulha nos dias de hoje.

Pois bem, com essas noções básicas em mente, vamos adiante.


Obra de Piet Mondrian - um pintor holandês modernista



Como dito e demonstrado no documentário, o senso estético do ser humano é natural e instintivo; não é ditado por nenhuma construção social ou tendência de época; ainda que seja razoável admitir que certas peculiaridades ou detalhes que permeiam a noção de beleza em cada geração. Por exemplo: fenômenos naturais como uma enorme cachoeira ou uma flamejante aurora boreal encontariam qualquer ser humano em qualquer época, mas são retratados e valorizados de maneira diferente por pessoas de regiões e culturas diferentes.
O que pode se traduzir no poderio direto de deuses para a cultura nórdica pode ser um mito ou um completo desconhecido para uma tribo africana. O mesmo acontece com biotipos e estereótipos humanos. Hoje podemos viver sob a ditadura do silicone e do corpo malhado; mas a mulher com traços harmônicos e delicados no rosto, cintura fina, quadris avantajados e seios moderadamente volumosos é apreciada em qualquer época, como mostram por exemplo as estátuas gregas de deusas da beleza.

Estabelecidos esses pressupostos, cumpre-nos agora analisar dois conceitos necessários para a compreensão daqueles que refletem e definem tais valorações: filósofos e filodoxos.
Platão criticava constantemente em suas obras o homem que era um filodoxo. Era aquele que se interessava pelo conhecimento e pela cultura, mas fazia disso um fim em si, utilizando o conhecimento adquirido e a informação recebida apenas para formas opiniões e as distribuir livremente. Seu fim maior não era o da busca pela verdade e a obtenção de respostas de valor universal para contribuir para o desenvolvimento, como faziam os filósofos.

Assim sendo, os verdadeiros filósofos sempre tiveram para si, estabelecida uma relação estreita entre beleza e moralidade; ao contrário dos filodoxos, que apregoavam que o belo dependia exclusivamente do juízo de valor de quem o observava, sendo assim, totalmente relativo. Ou seja, para Platão, o filodoxo é incapaz de conceber que o belo, o justo e o moral sejam a mesma coisa.  É como se os conceitos estivessem separados e não entrelaçados como pensam os verdadeiros filósofos. Portanto, filodoxos são os amantes de opiniões, enquanto os filósofos, amantes da verdade, da realidade.

O primeiro a estabelecer categoricamente a separação entre "realidade" e "valor" foi Kant; pensamento que tem se tornado inquestionável e irretocável para o pensamento universitário mundial. Ocorre que se pensarmos um pouco a respeito perceberíamos que esse conceito se auto-destrói no exato momento em que é aplicado, uma vez que ao ser professado uma realidade universal incontestável; ela se torna um valor cultural por definição.

Trazendo a parte teórica para a aplicação nos dias de hoje; podemos dizer que a moralidade é indispensável para a compreensão do belo. Isso fica muito claro no documentário quando é demonstrado o que se tornou a arte moderna; onde um vaso sanitário colocado no meio de uma sala com paredes brancas é reconhecido como obra de arte, como algo belo.
Não pode-se culpar as pessoas comuns por não se interessarem muito pela arte moderna, ou por voltarem frustradas ou confusas de uma exposição atual. Nem tudo o que surge na mente humana pode ser relativizado e empalado garganta adentro do público como expressão artística, como tradução da beleza como valor real.

É exatamente a carência de formação moral que faz com que o relativismo se perca numa torrente de ideias, sentimentos, ações e valores que não se definem e nem mesmo se encontram; a não ser na cabeça confusa e fragmentada de certos artistas plásticos, músicos, atores, etc.

Daí, concluo que é particularmente contraditório que uma pessoa que seja carente de virtude moral possa ser "interiormente bela", ou mesmo espiritualmente.  Dessa forma cai por terra o forte mito da beleza interior; que apregoa que uma pessoa amoral ou espiritualmente deformada possa ser vista como bela, e fonte de beleza. O mesmo pode-se dizer da inteligência e das virtudes. Já citei aqui a diferença enorme da obra filosófica de grandes homens como Platão, Aristóteles, Pascal, Leibniz, Sto. Tomás de Aquino, entre outros, diante de mentes comparavelmente inferiores, cuja filosofia não produziu frutos bons (nem mesmo para eles próprios)  quando aplicada, como é o caso de Nietzsche, Epicuro, Maquiavel, Bertrand Russel, Max Weber, Karl Marx, entre outros.

Os filodoxos não se apegavam à busca pela transcendência e à busca pela verdade; mas sim em ideais que nasciam em suas próprias cabeças, que se traduziriam, em última instância em títulos acadêmicos, prestígio social, regimes político ou econômicos, entre outros. Enfim, algo que trouxesse algum benefício para si mesmos, e não para toda a humanidade.

E finalmente; fica claro que aqueles que tentam separar o "bem" do "real", jamais serão capazes de criar arte, de fazer algo belo sair de suas mentes ou de suas mãos.
E em temos como estes, onde a mediocridade e a pobreza de espírito reinam absolutas, é comum ver que "obras de arte" tão rasas sejam abraçadas com tanta alegria, premiadas e reproduzidas em todos os cantos; como algo de extremo valor e riqueza cultural.

Dessa forma, fica fácil entender o porque de vermos tanta porcaria fazendo sucesso e gerando lucros bilionários ao redor do mundo, enquanto os verdadeiros artistas permanecem à mingua, tendo sua obra apreciada por tão poucos... Mas o mérito do verdadeiro artista não é alcançar projeção social, e sim ser capaz de tocar o coração e a alma de quem os tem em níveis suficientes para apreciar a verdadeira arte.