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domingo, 4 de outubro de 2015

Como ser fiel a si mesmo a seguir sua vocação


'Entre as várias inclinações possíveis que nos acometem, cada um de nós sempre encontra aquela que é a mais genuína e autêntica. A voz que o convoca para esse ser legítimo é o que denominamos “vocação”. Mas a maioria das pessoas se empenha em silenciar a voz da vocação e se recusa a ouvi-la. Conseguem gerar ruído dentro de si mesmas (...) distrair a própria atenção a fim de não ouvi-la; e se iludem ao substituir o eu genuíno por uma vida falsa.






Muitos dos grandes Mestres da história confessaram ter experimentado alguma espécie de força oculta, de voz interior ou de senso de destino que os impulsionava no rumo certo. Para Napoleão Bonaparte foi sua “estrela”, que ele sempre sentia ascender quando fazia o movimento certo. Para Sócrates, foi seu demônio, uma voz talvez de seres superiores, que falavam com ele em negativas – dizendo-lhe o que evitar. Goethe também a chamava de demônio – uma espécie de espírito que habitava dentro dele e o impelia a realizar seu destino. Em tempos mais modernos, Albert Einstein se referia a uma espécie de voz interior, que orientava o rumo de suas especulações. Todas essas manifestações são variantes do que Leonardo da Vinci experimentou com seu próprio senso de destino. Esses sentimentos podem ser vistos como puramente místicos, além de qualquer explicação, ou como alucinações ou delírios. Mas há outra forma de encará-los – como algo real, prático e explicável. É possível compreendê-los da seguinte maneira:


Todos nascemos como seres únicos. Essa singularidade é característica genética de nosso DNA. Somos fenômenos sem igual no Universo – nossa composição genética exata nunca ocorreu antes nem se repetirá jamais. Em todos nós, essa singularidade se expressa pela primeira vez na infância, por meio de certas inclinações primordiais. Para Leonardo, foi a exploração do mundo natural em torno de sua comuna, ao qual deu vida no papel, à sua maneira. Para outros, pode ser uma atração precoce por padrões visuais – não raro um indício de interesse futuro por matemática. Ou quem sabe um fascínio por movimentos físicos ou arranjos espaciais.


Como explicar essas inclinações? São forças dentro de nós que vêm de um lugar profundo incapaz de ser descrito por palavras conscientes. Elas nos atraem para certas experiências e nos afastam de outras. À medida que essas forças nos movimentam para lá e para cá, influenciam o desenvolvimento de nossa mente de maneira muito específica. Essa singularidade profunda naturalmente quer se afirmar e se expressar, mas algumas pessoas a experimentam de modo mais forte que outras. No caso dos Mestres, sua intensidade é tamanha que ela é percebida como uma realidade externa – uma força, uma voz, um destino. Nos momentos em que nos dedicamos a atividades que correspondem às nossas inclinações mais arraigadas, até sentimos um toque dessa realidade: as palavras que escrevemos ou os movimentos que executamos ocorrem com tanta rapidez e com tanta facilidade que até parecem se originar fora de nós. Estamos literalmente “inspirados”, palavra de origem latina que significa “soprar dentro”.


Podemos descrevê-la nos seguintes termos: ao nascermos, planta-se uma semente em nosso interior. Essa semente é a nossa singularidade. Ela quer crescer, transformar-se, florescer em todo o seu potencial, movida por uma energia assertiva natural. A sua Missão de Vida é cultivar essa semente até o pleno florescimento, é expressar sua singularidade por meio do trabalho. Você tem um destino a realizar. Quanto maior for a intensidade com que o sentir e o cultivar – como uma força, uma voz ou o que quer que seja –, maior será sua chance de realizar a sua Missão de Vida e alcançar a maestria.


O que atenua essa força, o que faz com que você não a sinta ou mesmo duvide de sua existência, é a extensão em que sucumbe a outra força da vida – as pressões sociais para o conformismo. Essa contraforça pode ser muito poderosa. Você quer se encaixar em um grupo. Inconscientemente, talvez sinta que o que o distingue dos demais é algo embaraçoso ou doloroso. Seus pais muitas vezes também atuam como contraforça. Pode ser que tentem direcioná-lo para uma carreira lucrativa e segura. Se essas contraforças se tornam poderosas demais, você perde qualquer contato com sua singularidade, com quem você realmente é. Suas inclinações e seus desejos passam a se moldar em outras pessoas.


Essa situação pode lançá-lo em terreno muito perigoso. Você acaba escolhendo uma carreira que não é compatível com sua personalidade. Seus desejos e interesses aos poucos se desvanecem e seu trabalho sofre as consequências. Você passa a procurar prazer e realização fora do trabalho. Ao se desengajar cada vez mais da carreira, deixa de prestar atenção nas mudanças dentro de sua área de atuação – fica para trás e paga por isso. No momento de tomar decisões importantes, você se esconde ou segue o exemplo dos outros, pois não tem senso de direção nem uma bússola interior que o oriente. Perdeu o contato consigo mesmo. Você precisa evitar esse destino a todo custo. O processo de seguir a sua Missão de Vida que o leva à maestria pode ser iniciado a qualquer momento. A força oculta está sempre presente dentro de você, pronta para entrar em ação.


O processo de realizar a sua Missão de Vida se desenvolve em três estágios. Primeiro, você precisa se ligar ou religar com suas inclinações, com aquele senso de singularidade. Portanto, o primeiro passo é sempre introspectivo. Você vasculha o passado em busca de indícios daquela voz ou força interior. Silencia as outras vozes que podem confundi-lo – como as de pais e amigos. Procura um padrão subjacente, o âmago de seu caráter, que você deve compreender da forma mais profunda possível.


Segundo, com o restabelecimento da conexão, você deve examinar a carreira em que já está ou que está prestes a iniciar. A escolha desse caminho – ou seu redirecionamento – é fundamental. Nesse estágio, é preciso ampliar seu conceito de trabalho. Com muita frequência, estabelecemos uma distinção entre vida profissional e vida pessoal, sendo que só nesta última encontramos prazer e realização. O trabalho geralmente é visto como um meio de ganharmos dinheiro para aproveitar a vida fora dele. Mesmo que encontremos alguma satisfação em nossa carreira profissional, ainda tendemos a compartimentar a vida dessa maneira. Essa é uma atitude deprimente, pois, afinal, passamos no trabalho uma parcela substancial das horas em que estamos acordados. Se encararmos a vida profissional como uma provação a ser enfrentada para alcançarmos as verdadeiras fontes de prazer, as horas despendidas no trabalho representarão um trágico desperdício de nossa curta existência. Em vez disso, é desejável ver o trabalho como algo mais inspirador, como parte de sua vocação. A palavra “vocação” vem do latim e significa chamado ou convocação. Seu uso em relação ao trabalho coincidiu com o início do Cristianismo – certas pessoas eram “convocadas” por Deus a abraçar a vida religiosa; essa era sua vocação. Os primeiros cristãos seriam capazes de “ouvir” literalmente sua vocação, ao escutarem o chamado de Deus, que os escolhera para esse trabalho de salvação. Com o passar do tempo, o termo se secularizou, passando a se referir a qualquer trabalho ou estudo que alguém sentia ser compatível com sua personalidade. No entanto, é hora de retornarmos ao sentido original do termo, pois ele se aproxima muito mais da ideia de Missão de Vida e de maestria.


Essa voz que o convoca vem de um lugar profundo da alma. Ela emana de sua individualidade.  Indica quais atividades são mais compatíveis com seus interesses. E, a certa altura,  ela o chama para um tipo especial de trabalho ou carreira. Nesse caso, o trabalho passa  a ser algo profundamente conectado com o seu ser, não um compartimento isolado.  É assim que se desenvolve o senso de vocação.


Você deve encarar sua carreira ou caminho vocacional mais como uma jornada, com suas curvas e desvios, do que como uma linha reta. Você começa escolhendo uma área ou posição que corresponda mais ou menos às suas inclinações. Esse ponto de partida lhe oferece espaço para manobra e indica importantes habilidades a serem aprendidas. Não se pode começar com algo muito grandioso e ambicioso – você precisa ganhar a vida e conquistar confiança. Uma vez nesse caminho, você encontra certas trilhas internas que o atraem, enquanto outras o desagradam. Ajusta o curso e talvez se movimente para outra área assm, mas sempre expandindo sua base de qualificações. Como Leonardo, você parte do que faz para os outros e o converte em algo próprio.


No final, descobre determinada área, nicho ou oportunidade que se encaixa perfeitamente com suas inclinações. Você o reconhecerá tão logo o encontre, pois ele irá disparar aquele senso infantil de deslumbramento e empolgação. Depois disso, tudo se encaixará. Você aprenderá com mais rapidez e mais profundidade. Seu nível de habilidade chegará a um ponto em que você será capaz de reivindicar sua independência no ambiente de trabalho e tomar seu próprio rumo. Em um mundo em que não há tantas coisas que não conseguimos controlar, essa condição lhe proporcionará o máximo de poder. Você determinará suas circunstâncias. Como seu próprio Mestre, não mais estará sujeito aos caprichos de chefes tirânicos ou de colegas manipuladores.


Essa ênfase em sua singularidade e em sua Missão de Vida talvez pareça um conceito poético, sem qualquer relação com a realidade prática, mas, na verdade, ela é bastante relevante para os tempos em que vivemos. Estamos entrando numa era em que podemos confiar cada vez menos no Estado, nas empresas, na família ou nos amigos como fontes de ajuda e de proteção. É um ambiente globalizado, altamente competitivo. Precisamos aprender a nos desenvolver. Ao mesmo tempo, é um mundo apinhado de problemas graves e de oportunidades promissoras, que serão mais bem resolvidos e aproveitados pelos empreendedores – indivíduos ou pequenos grupos que pensam de forma independente, se adaptam com rapidez e possuem pontos de vista únicos. Suas habilidades criativas sem igual serão muito valorizadas.


Pense nisso da seguinte maneira: no mundo moderno, o que mais falta em nossa vida é o senso de um propósito mais amplo. No passado, eram as religiões organizadas que ofereciam esse sentimento. No entanto, hoje quase todos vivemos em um mundo secularizado. Nós, seres humanos, somos únicos, e portanto devemos construir nosso próprio mundo. Não reagimos simplesmente aos acontecimentos por algum código biológico. Porém, sem o senso de direção, ficamos confusos. Não sabemos preencher e estruturar nosso tempo. Parece que não dispomos de um propósito na vida. Talvez nem mesmo tenhamos consciência de nosso vazio, mas ele nos contamina de todas as maneiras.


Sentir que somos convocados a realizar algo é a forma mais positiva de alcançarmos esse senso de propósito e de direção. É como uma busca religiosa para cada um de nós. Essa procura não deve ser vista como egoísta ou antissocial. Ela, de fato, se relaciona com algo muito maior que a vida de cada um. Nossa evolução como espécie dependeu da criação de uma grande diversidade de habilidades e de pontos de vista. Prosperamos com base na atividade conjunta de pessoas dotadas de talentos singulares. Sem essa diversidade, a cultura morre.


A singularidade de cada um ao nascer é o fator fundamental dessa diversidade indispensável. Na medida em que ela é cultivada e expressada, um papel fundamental é exercido. Nossos tempos enfatizam a igualdade, o que pode ser confundido com a necessidade de todos serem idênticos. No entanto, essa igualdade na verdade oferece a todos as mesmas oportunidades para expressar suas diferenças, permite o florescimento da
biodiversidade. A vocação é mais que um trabalho a executar. É algo que se relaciona com a parte mais profunda do ser e que é manifestação da enorme diversidade na natureza e na cultura humana.

                                

Cerca de 2.600 anos atrás, Píndaro, poeta da Grécia Antiga, escreveu: “Torna-te quem és aprendendo quem és.” O que ele queria dizer com isso é o seguinte: você nasceu com determinada compleição e com certas tendências que o caracterizam. Algumas pessoas nunca se tornam quem são em seu âmago; param de confiar em si mesmas, sujeitam-se às preferências alheias e acabam usando uma máscara que oculta sua verdadeira natureza. Se você criar condições para descobrir quem realmente é, prestando atenção na voz e na força em seu interior, poderá realizar o seu destino – tornando-se um indivíduo, um Mestre.'

Robert Greene - Mastery