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segunda-feira, 21 de março de 2016

A Mais Poderosa Força do Universo

A experiência humana atinge seu ápice nas condições extemas, seja para o sumo bem, ou o mal. 

Relato do dr. Viktor Frankl, criador da logoterapia, durante seu encarceramento no campo de concentração de Auschwitz na Segunda Grande Guerra:


Quando nada mais resta 


Enquanto avançamos aos tropeços, quilômetros a fio, vadeando pela neve ou resvalando no gelo, constantemente nos apoiamos um no outro, erguendo-nos e arrastando-nos mutuamente. Nenhum de nós pronuncia uma palavra mais, mas sabemos neste momento que cada um só pensa em sua mulher. Vez por outra olho para o céu no horizonte em que assoma a alvorada por trás de um lúgubre grupo de nuvens. Mas agora meu espírito está tomado daquela figura à qual ele se agarra com uma fantasia incrivelmente viva, que eu jamais conhecera antes na vida normal. Converso com minha esposa. Ouço-a responder, vejo-a sorrindo, vejo seu olhar como que a exigir e a animar ao mesmo tempo; e - tanto faz se é real ou não a sua presença - seu olhar agora brilha com mais intensidade que o sol que está nascendo. Um pensamento me sacode. É a primeira vez na vida que experimento a verdade naquilo que tantos pensadores ressaltaram como a quintessência da sabedoria, por tantos poetas cantada: a verdade de que o amor é, de certa forma, o bem último e supremo que pode ser alcançado pela existência humana. Compreendo agora o sentido das coisas últimas e extremas que podem ser expressas em pensamento, poesia - e em fé humana: a redenção pelo amor e no amor! Passo a compreender que a pessoa, mesmo que nada mais lhe reste neste mundo, por alguns momentos - entregando-se interiormente à imagem da pessoa amada. Na pior situação exterior que se possa imaginar, numa situação em que a pessoa não pode realizar-se através de alguma conquista, numa situação em que sua conquista pode consistir unicamente num sofrimento reto, num sofrimento de cabeça erguida, nesta situação a pessoa pode realizar-se na contemplação amorosa da imagem espiritual que ela porta dentro de si da pessoa amada. Pela primeira vez na vida entendo o que quer dizer: os anjos são bem-aventurados na perpétua contemplação, em amor, de uma glória infinita...

À minha frente, um companheiro cai por terra, e os que vão atrás dele também caem. Num instante o guarda está lá e usa seu chicote sobre eles. Por alguns segundos se interrompe minha vida contemplativa. Mas num abrir e fechar de olhos eleva-se novamente a minha alma, salva-se mais uma vez do aquém, da existência prisioneira, para um além que retoma mais uma vez o diálogo com o ente querido: eu pergunto - ela responde; ela pergunta - eu respondo.

"Alto!" Chegamos ao local da obra: "Cada qual busque sua ferramenta! Cada um pegue uma picareta e uma pá!" E todos se precipitam para dentro do galpão completamente às escuras para arrebanhar uma pá jeitosa ou uma picareta mais firme. "Como é, não vão se apressar, seus cachorros imundos?" Dali a pouco estamos na vala, cada um em seu lugar da véspera. A picareta estilhaça o chão congelado, soltando até fagulhas. Nem mesmo os cérebros ainda degelaram, os companheiros continuam calados. Meu espírito ainda se apega à imagem da pessoa amada. Continuo falando com ela, e ela continua falando comigo. De repente me dou conta: nem sei se minha esposa ainda vive! Naquele momento, fico sabendo que o amor pouco tem a ver com a existência física de uma pessoa. Ele está ligado a tal ponto à essência espiritual da pessoa amada, a seu "ser assim" (nas palavras dos filósofos), que a sua "presença" e seu "estar-aqui-comigo" podem ser reais sem sua existência física em si e independentemente de se estar com vida. Eu não sabia, nem poderia ou precisaria saber, se a pessoa amada estava viva. Durante todo o período do campo de concentração não se podia escrever nem receber cartas. Mas isso, naquele momento, de certa forma não tinha importância. As circunstâncias externas não conseguiam mais interferir no meu amor, na minha lembrança e na contemplação amorosa da imagem espiritual da pessoa amada. Se naquela ocasião tivesse sabido: minha esposa está morta - acho que esse conhecimento não teria perturbado meu enlevo interior naquela contemplação amorosa. O diálogo espiritual teria sido igualmente intenso e gratificante. Naquele momento, apercebo-me da verdade: "Põe-me como selo sobre o teu coração (...) porque o amor é forte como a morte" (Cantares 8:6)











"A lembraça de Deus é logicamente função da correção de 
nossa noção de Deus e da profundidade de nossa compreensão: 
a Verdade, na medida em que ela é essencial e que nós a compreendemos, 
toma posse de todo o nosso ser e o transforma pouco a pouco 
e segundo um ritmo descontínuo e imprevisível. Cristalizando-se em nós, 
Ela "se torna o que nós somos a fim de nos tornar o que Ela é". 
A manifestação da Verdade é um mistério de amor, assim como, 
inversamente, o conteúdo do amor é um mistério da Verdade."
Frithjof Schuon

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