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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Todo mundo é uma prostituta

Eu podia tá matando, podia tá roubando, podia tá tirando a cutícula e usando uma gola V decotada, mas estou aqui para compartilhar essa pérola com vocês:


A retórica da inflação de ego está em todo lugar. No trabalho, na escola e no shopping, os americanos esperam que todos digam o quão especiais, talentosos e importantes eles são. Em nosso mundo invertido, os fracos são fortes de alguma forma, aquele que sobrevive a uma cutícula arrancada é corajoso, e todo burocrata que trabalha para o Departamento de Defesa é um maldito herói.

Na GloboCorp, o departamento de recursos humanos tenta convencer cada fulano e cicrana que eles são absolutamente essenciais para o sucesso da empresa. Os talentos criativos de cada um são valorizados e todos, do zelador ao presidente, são capazes de fazer contribuições positivas tremendas. Em seu recente livro sobre o valor do trabalho, Matthew B. Crawford argumenta que corporações modernas desvalorizam conquistas significativas quando elas nos agradam e fala como se todo mundo fosse uma espécie de Einstein.

Os americanos gostam que seja dito que são brilhantes e corajosos, mas como um povo, esses não são mais os nossos valores mais elevados. Quem consegue nomear cinco recentes e legítimos heróis de guerra? A plebe tampouco se importa a respeito de quem é inteligente. Ela só liga para a ciência quando quer perder peso, vencer uma discussão na Internet ou descobrir de que modo o mundo irá acabar. Se você conseguir falar agora o nome de dez caras que fazem ciência de verdade, você provavelmente é um cientista.

A maioria das pessoas sabe que elas não são Einsteins e pra falar a verdade elas não ligam pra isso. Elas têm uma preocupação mais premente.

O que elas realmente estão se perguntando é: "sou gostoso(a) ou não?”.

Pessoas bonitas são os faróis mais brilhantes do nosso mundo flutuante. Modelos atraentes e atores recebem muito mais elogios e atenção do que condecorados com a Medalha de Honra. As pessoas amam tecnologia, mas a usam para "acompanhar os Kardashians"1. Elas lotam as academias, mas força e fitness são apenas subprodutos do seu desejo de serem desejadas. Ninguém liga pra quanto peso Tatum Channing ou Brad Pitt conseguem levantar, ou quão rápido eles podem correr, ou o que eles são capazes de construir, ou quantos caras eles conseguem derrotar em um combate. Eles são admirados por serem desejáveis.

Antigamente, apenas as mulheres jovens se preocupavam excessivamente em serem desejadas. Em sociedades patriarcais tradicionais, uma mulher a qual nenhum homem quisesse como esposa se tornaria um fardo para seus pais. Uma mulher não desejada nunca poderia se tornar uma mãe ou administrar uma casa. Ela seria para sempre uma filha dependente ou uma independente e solitária solteirona. Para mulheres em idade de casar, a atratividade tem um valor muito alto e, embora a sua importância diminua com a idade, a maioria dos homens ainda prefere ter uma esposa bonita a uma feia. Seja por hábito ou por natureza, muitas mulheres tendem a gostar de se pintarem e se adornarem para parecerem mais jovens, férteis, femininas e atraentes. 


 No entanto, de todas as mulheres, a que mais se importa em ser desejada é a prostituta, porque sua sobrevivência depende da sua habilidade de fisgar os homens em seus quadris.

Alguns apontarão para a ornamentação masculina como um contraexemplo, mas a motivação por trás do embelezamento masculino tem sido tradicionalmente diferente. Quando os homens se ornamentam, eles o fazem para parecerem mais temíveis ou para comunicar status. O Samurai usava vermelho, e como em muitos pontos mais delicados da higiene samurai, eles o faziam para que seus inimigos os respeitassem como oponentes viris, mesmo depois que fossem mortos. Eles não “davam um trato no visual” para transar. Eles o faziam para ganhar o respeito de outros homens.

No fim de semana passado, um filme sobre strippers masculinos faturou $39,2 milhões de dólares nas bilheterias. A América percorreu um longo caminho desde Flashdance.

Em The Way of Men, eu usei Bonobos e Chimpanzés para comparar a sociedade orientada para o sexo feminino com a sociedade orientada para o sexo masculino. Pessoas não são exatamente a mesma coisa que macacos, mas eu acho que chimpanzés e bonobos fazem metáforas reveladoras sobre a situação em que nos encontrávamos e para onde aparentemente estamos indo.

Os bonobos vivem luxuosamente, com acesso a tanto alimento quanto precisam. Coalizões de fêmeas reprimem a agressão masculina e os machos raramente formam grupos coesos. Os machos não sabem quem são seus pais, somente suas mães. O sexo é igual ao que a vadia de um bar disse uma vez a um amigo meu; “como um aperto de mãos". O homossexualismo é lugar-comum porque o sexo é uma atividade social e todo mundo faz sexo com todo mundo. Não se trata de reprodução; se trata de masturbação mútua e de se divertir. Costuma-se dizer que os bonobos são pacíficos, e embora isso possa não ser completamente verdadeiro, eles são definitivamente matrilineares e excepcionalmente “safados”.




Os chimpanzés formam grupos de caça patriarcais. Os machos permanecem juntos e as fêmeas acabam migrando de grupo pra grupo. O sexo é uma atividade reprodutiva. O homossexualismo é raro. Os machos dominam as fêmeas e aqueles que estão no topo da hierarquia masculina controlam todo o grupo.




A América está rapidamente se tornando a "Sociedade Masturbatória dos Bonobos", devotada ao prazer e organizada primariamente para servir aos interesses das fêmeas. Cada vez mais homens são criados por mães solteiras e os machos são desencorajados a organizar qualquer coisa sem a supervisão feminina. O sexo é social e a maior parte do trabalho duro e perigoso que os homens costumavam fazer, ou é feito por máquinas "à prova de idiotas" ou é terceirizado em países onde o custo de vida é barato. Mulheres e homens desonrados microgerenciam agressões masculinas com leis e processos judiciais sem fim, e bad boys que não podem pagar por grandes advogados são chutados pra dentro de uma multibilionária indústria prisional, que ostenta a maior taxa de encarceramento do mundo.

Em nossa sociedade masturbatória de bonobos, trepar é uma das únicas coisas que os homens são encorajados a fazer que os fazem se sentirem realmente como homens. 


Por todo o Alt-Right2, vários autores criticam a cultura PUA e o "game". Porque praticamente a única coisa viril que os homens estão autorizados a fazer é transar, eu sou mais simpático essas coisas. Eu vejo o que muitos chamam de game como um tipo de "acesso à masculinidade". Game é essencialmente um treinamento de assertividade para uma geração de jovens que passaram a maior parte de suas vidas brincando de "o mestre mandou"3.

Virilidade é como um talento. Alguns machos são mais dotados que outros, mas como qualquer talento, a masculinidade tem que ser pressionada e desenvolvida para significar algo impressionante. Garotos que foram criados por mães solteiras ou pais superprotetores e expostos ao sistema de lavagem cerebral feminista das escolas públicas, nunca foram postos à prova ou treinados por grupos de homens severos. Você não pode entregar um diploma de ensino médio a um guri pau-mandado4 e esperar que ele cuspa igual a Clint Eastwood.

Quando falam sobre game, os homens na “manosfera” estão escavando através das besteiras que o sistema diz sobre garotas aos garotos. Este é um trabalho que precisa ser feito. Se os caras medianos acreditarem na baboseira oficial que é dita sobre sexo e relacionamentos, eles serão usados e abusados pelas exigentes5 mulheres americanas pelo resto de suas vidas. E, na medida em que se desfaziam dos mitos feministas sobre os sexos, eu vi muitos desses caras começarem a se perguntar o que realmente significava ser homem. Essa é uma conversa importante. Entretanto, até parece um caminho mais seguro no clima cultural atual, fazer da perseguição à boceta uma opção de vida em longo prazo. É aí que as médias positivas deslizam em direção a um extremo negativo. Andy Nowicki escreveu que se os homens realmente querem minar o matriarcado, eles deveriam parar de foder. Ele pode ter suas próprias motivações (possivelmente religiosas) para dizer tal coisa, mas eu acho que ele tem alguma razão nesse ponto.

Nossas feministas manipuladoras e globalistas adorariam mais do que qualquer outra coisa, manter os homens jovens – o grupo mais perigoso e potencialmente revolucionário em qualquer civilização – completamente distraídos pela boceta. E, embora possa sentir como se estivesse afirmando sua dominância (covenientemente da forma mais inofensiva possível), se tudo o que você faz é designado a torná-lo mais atraente para as mulheres, você é um “vibrador ansioso”. Quando os seus músculos são apenas para exibição, quando tudo o que você faz é para torná-lo mais desejável, você está interpretando o papel feminino. Quando o seu valor como homem depende do número de mulheres que você consegue levar pra cama, você não passa de um gigolô.

Como Hunter S. Thompson notou, sexo é a maior diversão dos amadores. É maravilhoso quando você é jovem, bonito, ingênuo e despreocupado - mas "putas velhas não dão tantas risadinhas".

Mark Simpson tinha compreendido muito disso quando, lá em 1994, cunhou o termo "metrossexual". O metrossexual não é necessariamente gay ou efeminado no sentido extravagante da palavra - essa é a apenas a maneira como a palavra “pegou” entre as pessoas. A ideia de metrossexual de Simpson é de um "homem espelho" cujas maiores preocupações narcisistas são a busca do prazer e ser considerado "desejável". Ele pode estar apaixonado por si mesmo, mas isso também é um tipo de amor frívolo. Ele liga mais para a aparência e para quão bem ele fode do que para o que conquistou ou o quanto é respeitado. É uma vaidade de prostituta.

Hugh Hefner estava muito a frente do seu tempo. Foram os homossexuais que abriram caminho para o estilo de vida bonobo em massa. Antes que os PUAs de hoje estivessem na pré-escola, eles já faziam isso por causa dos números, à procura de validação, baseando seu valor próprio em "quantos" e "quão gostosos". Homossexuais rejeitam expectativas e papéis masculinos tradicionais e canalizaram toda a sua agressão masculina para o sexo e por causa do sexo. Sua ideia de masculinidade tornou-se masturbatória - um Tom of Finland bombado, uma caricatura de forma masculina, sem função, honra ou virtude. Os homossexuais, por serem “homens”, definiram o cenário cultural para a objetificação masculina da mesma forma que os homens sempre objetificaram as mulheres. 


Como bonobos desbravadores, os homossexuais descobriram as desvantagens do meretrício. Um “pegador”6 experiente se viu obrigado a adquirir um punhado de DSTs, e a AIDS praticamente dizimou uma geração inteira de homens "sexualmente livres". Para muitos, existem também muitos custos psicológicos. Ser desejado é uma droga viciante. E quando esse é o seu valor mais elevado, isso se torna sua identidade. Um dos problemas – coisa que sempre foi uma maldição feminina – é que a atratividade sexual está ligada ao instinto de procriação, e tem seu pico na juventude. Os homens envelhecem de forma mais suave que as mulheres, mas a maioria que barganha seu “sex appeal” não alcança de forma tranquila a masculinidade da meia-idade, confiante e segura, de seus antepassados. Como os homossexuais e estrelas de cinema, eu me pergunto quantos dos “pegadores” modernos sairão em busca de esteroides, Viagra, e eventualmente se convencerão de que talvez a plástica facial de Kenny Rogers fique melhor neles do que ficou neste. (Não ficará, camaradas. Vocês ainda parecerão com uma lésbica velha que não consegue piscar). Particularmente, existe algo de desesperado, triste e indigno em um homem de certa idade que gasta muito tempo buscando por validação sexual.

O que é pior é que os heterossexuais não estão no mercado para os homens; eles estão no mercado para as mulheres, de modo que a biologia os coloca em grande desvantagem. O “estrategista em game” Heartsite, recentemente postou sobre uma experiência de encontros online na qual os dois caras mais bonitos, em conjunto, conseguiram obter um total de 50 mensagens de mulheres, enquanto que as mulheres mais atraentes do site receberam mais de 536 mensagens de homens, no mesmo período de tempo. Esse “campo de jogo” nunca chegará perto de ver qualquer igualdade, mas o game está ganhando popularidade porque os homens enxergam essa disparidade e querem aumentar suas chances.

Homens com boa aparência e algum game podem ser capazes de manter esse ritmo pela maior parte de suas vidas e acabarão tendo boas histórias para contar. Uma pequena minoria de homens sempre foi libertina e provavelmente alguns estão particularmente bem adaptados a isso. Uns terão arrependimentos e outros não.

O problema não é o que acontece para uns poucos pegadores, mas o que nos tornamos enquanto sociedade quando todo mundo quer ser pegador. A libertinagem costumava ser uma forma de rebeldia, mas cada vez mais faz parte do esquema. Em uma sociedade onde o sexo e a atratividade são os valores mais elevados, o que acontece com os outros dois terços da curva?

A carne não será democratizada. A atratividade não é mais uniformemente distribuída do que a força, o tamanho ou QI. O mundo é cheio de gente feia e gorda. As pessoas podem melhorar bastante com dieta, exercício e higiene – e deveriam –, mas você pode colocar batom em um porco e ainda assim ele continua sendo um porco. Alguns homens e mulheres simplesmente não têm uma boa aparência. Várias pessoas são, na verdade, bastante repulsivas. Algumas provavelmente deveriam evitar a luz do dia por completo, porque elas amedrontam as crianças pequenas.

As mulheres sempre foram conscientes do elitismo cruel da hierarquia natural da beleza. Em sociedades nas quais outras virtudes tiveram um valor maior, elas poderiam se concentrar na piedade ou simplesmente em serem boas mães. Quando as mulheres foram “sexualmente libertas”, algumas feministas (principalmente as gordas e feias) acharam que poderiam contar com o condicionamento social para dar a todos nós óculos com “visão de cerveja”7 permanente e tornar cada bruxa velha e inchada tão desejável quanto Heather Locklear. Se o problema fosse apenas da Barbie ter proporções realistas, ou de sermos forçados a ver mais obesos mórbidos na televisão, então, menos lágrimas cairiam nos potes de sorvete. Mas elas fazem pressão é pela “aceitação das gordas” e continuam nos dizendo que “o volumoso é belo”. Quando isso não funciona, elas nos represam com clichés ruins e tentam nos convencer de que a beleza ou está nos olhos de quem vê ou “no interior”. Nós podemos patrociná-las ou tentar ser mais sensíveis, mas fingir que todos são igualmente belos é tão absurdo e incorreto quanto fingir que todo mundo é um Einstein.

Ninguém quer uma boneca Barbie com canelas grossas8 e a desobjetificação das mulheres está em desacordo com o Zeitgeist da nossa ultra-sexualizada sociedade masturbatória de bonobos. Andrea Dworkin9 perdeu, e mais do que nunca garotas adolescentes estão assistindo pornô hardcore para aprender como rebolar, socar uma e engolir como as “profissas”. Eu vou para a academia e vejo caras que não estão ali para levantar ferro ou ficarem monstros. Eles estão seguindo treinos para “secar” e construir um corpo “para as gurias”. Essas gurias estão pegando um bronze, recebendo implantes nos seios e tentando ficar parecidas com strippers. Um amigo que ensina em uma escola da Califórnia disse que eles tiveram que cancelar o dia de Halloween porque as crianças não queriam mais ser assustadoras nem fofas. Os garotos e garotas, de modo idêntico, estavam usando o feriado como uma desculpa para irem à escola o mais próximo de nuas que era possível. 


 As pessoas costumavam ter aspirações mais decentes. Elas queriam formar famílias.las queriam fazer um bom trabalho. Queriam ser bons cidadãos, bons Cristãos, ser uma boa pessoa. Agora todo mundo quer ser pegador e estrela pornô. Todo mundo quer ser o tipo de macaco no qual os outros macacos querem se esfregar.

Nós chamamos essa orgia matrilinear de “progresso” e buscamos a nossa redenção moral na reciclagem.

Sexo pode ser natural, e com certeza é divertido, mas é apenas uma parte da vida. Uma sociedade que põe ênfase excessiva no sexo a ponto de parecer que a única coisa que significa algo na vida é grotesca e degradada, e que, para a maioria das pessoas, resulta mais em um vazio do que em êxtase.

Em patriarcados saudáveis, os homens se forçam a ganharem o respeito e a admiração dos outros homens. Eles trabalham para provarem sua força, coragem e competência uns para os outros. Os homens se orgulham de sua reputação pelo domínio dos seus corpos, suas ações e seu ambiente. Eles querem ser conhecidos pelo que são capazes de fazer, não apenas por quão bem ou quem eles fodem. E com certeza eles não perdem seu tempo tentando descobrir o que eles podem fazer para impressionar uma vadia burra.

Puta merda, em alguns lugares, quando um homem está pronto para arranjar uma esposa, ele apenas escolhe uma e a sequestra. Os homens costumavam se casar e tocar suas vidas. Parece um caminho de vida mais saudável para mim e eu tenho visualizado o que o outro lado tem a oferecer.

Recentemente, eu assisti Restrepo, um documentário sobre soldados lutando no Afeganistão. Tinha uma cena onde os americanos tinham que negociar com anciões de tribos locais. Os anciões eram um bando de caras velhos com um olhar muito sério e suas longas barbas eram vermelhas brilhantes tingidas com rena.

Nossos “aliados” tribais no cemitério dos impérios [Afeganistão] têm lá seus problemas. Eles cagam nas próprias mãos e estupram garotinhos. Seus costumes deixam espaço para muitas melhorias.

No entanto, enquanto eu assistia seus olhos sérios, eu me perguntava se qualquer um daqueles homens perdeu muito tempo se perguntando, “sou gostoso ou não?”.





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1. Referência ao reality show Keeping Up with the Kardashians.
2. Alternative-Right (http://alternative-right.blogspot.com.br/)
3. “Mamãe, eu posso?”, ao pé da letra.
4. hen-pecked, dominado, capacho, escravo de boceta ou “mangina”.
5. entitled, intitulada ou “cheia de direitos”.
6. player, jogador, o cara que faz uso do game.
7. beer goggle, efeito causado pela bebida alcoólica que torna as outras pessoas mais bonitas aos nossos olhos.
8. cankles {calf (panturrilha) + ankle (tornozelo)}. Quando a perna tem praticamente o mesmo diâmetro em toda sua extensão e dá um aspecto de “roliço”, comum nas pessoas gordas.
9. Feminista famosa por fazer ferrenha oposição à pornografia.

Escrito por Jack Donovan
Traduzido por Lucas

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Individual ou coletivo?


Essas são duas concepções que embasam as visões de mundo no aspecto político atual - ou você confere importância ao indivíduo para que a dignididade e a liberdade constituam a organização social coletiva; ou suprime essa noção e cria uma de coletividade alheia ao indivíduo; onde ele se torna apenas um instrumento da realização coletiva.

Não é difícil relacionar essas concepções das visões de direita e esquerda, de conservadores e liberais. Temos por princípio conservador a autonomia e a dignidade humana, direitos inalienáveis, bem como a propriedade privada e a livre iniciativa; pilares sem os quais (na visão conservadora) não se pode erigir uma sociedade organizada e justa. Já para os adeptos do coletivismo e do materialismo, o indivíduo deve ser suprimido até desaparecer, para que desse substrato emerja uma sociedade ideal, igualitária.

A noção da valorização do indivíduo tem sua raiz na grécia antiga mas é colocada sob os holofotes com o advento do cristianismo; que coloca a concepção humana como ato estritamente divino e merecedor de proteção e direitos desde a sua concepção. É através da valorização do indivíduo e seu religamento ao divino que os frutos e virtudes aparecerão e permitirão que a sociedade se estruture, através da família.

Por outro lado, a negação do "eu" (não confundir com negação do ego), tem raízes no pensamento comunista pensado por Marx. Para ele, os pensamentos, ações e até mesmo necessidades básicas humanas são fruto da guerra de classes, sendo definidas desde o nascimento pela sua condição social. E a única forma de transcender essa disparidade seria o fim das classes, através da vitória dos proletários, que se tornariam a classe dominante, acabando assim (acredite se quiser), com todo e qualquer conflito humano. É nesse aspecto que a noção de indivíduo deve ser negada em detrimento do coletivo. Não seríamos mais seres individualmente designados e formados, mas uma massa amorfa dentro de uma classe e de um sistema econômico.

Que valor teria então uma vida humana, diante de tamanha utopia revolucionária que seria desenhada nesse futuro (in)certo? Ou que seja; uma dezena, uma centena ou centenas de milhões de vidas? Se esse é o prelúdio para que a utopia da igualdade absoluta seja alcançada, nenhum preço seria alto demais, certo?

É com essa certeza religiosa de um paraíso futuro (e indeterminado) sobre a terra que se formaram os governos mais sanguinários que a história já testemunhou. E é a incitação do ódio, da revolta e do descontentamento, usados como combustível para acender a chama que culminaria na revolução. É a crença no poder criador do mal; no fato de que fomentar a maldade produzirá bondade e justiça.

Surge assim, a separação clara entre aqueles que buscam a manutenção de valores universais imutáveis e os que procuram subverter a ordem das coisas, crendo ter em sua mente a fórmula redentora para todo o mal que assola o mundo. Esse é o embrião do maior male que enfrentamos na atualidade: a mentalidade revolucionária. É a ilusão que o indivíduo incute na própria mente de que porta uma verdade superior que ao ser implantada livrará o mundo de seus males. Uma contradição absoluta entre o dogma cristão de que a salvação virá pelas mãos do Criador, para todos aqueles que O buscarem e seguirem; que o papel do homem é mudar a si mesmo e não ao mundo.

Esses são alguns dos pontos abordados num diálogo hipotético construído pelo Dr. Peter Kreeft em seu livro "Sócrates Encontra Marx"; desconstruindo uma série de contradições lógicas, distorções históricas, vícios de compreensão e outras mazelas que acometem a mente de todo aquele que tenta compreender o mundo à partir de si mesmo, dentro de suas limitações, não se abrindo para o transcendente e o metafísico.

E aqui está um dos meus trechos favoritos dessa obra:

SÓCRATES: Idolatras o "nós" e negas o "eu"; no entando o "nós", a sociedade, as massas - sim, mesmo o proletariado - acreditam no "eu" e não em tua filosofia que nega o "eu" em prol do "nós". Apenas alguns poucos indivíduos da elite, apenas os letrados, os alienados, os desarraigados acreditam em ti. As massas se compõem de camponeses supercticiosos, de tradicionalistas religiosos, de velhos e antiquados conservadores como eu. Eles temem a sua revolução.

MARX: É porque não sabem o que é melhor pra eles - e é por isso que precisam de meu livro e por isso que eu o escrevi.

SÓCRATES: Sabes o porquê de eles temerem a sua revolução?


MARX: É claro: porque são conservadores.

SÓCRATES: E sabes por que são conservadores?

MARX: Porque são estúpidos.

SÓCRATES: Não, porque são felizes.

MARX: Isso é uma baboseira completa.

SÓCRATES: Vejamos. Por que eles são chamados de "conservadores"?

MARX: Porque se opõem à mudança.

SÓCRATES: E por que eles se opõem à mudança?

MARX: Porque querem conservar a ordem antiga.

SÓCRATES: Certo. Agora, nós buscamos conservar as coisas que nos fazem felizes ou as coisas que nos fazem infelizes?

MARX: As que nos fazem felizes.

SÓCRATES: E nós buscamos mudar as coisas que nos fazem felizes ou as coisas que nos fazem infelizes?

MARX: As que nos fazem infelizes.

SÓCRATES: Portanto, os conservadores, por definição, são felizes; eles são conservadores porque são felizes. Já os radicais, por definição, são infelizes; eles são radicais porque são infelizes. Com efeito, alguns deles são tão apoquentados que tudo o que desejam é destruir tudo o que vêem e escrever palavras apocalípticas, como "tudo o que existe merece perecer".







segunda-feira, 20 de maio de 2013

O luxo ocidental aos olhos do mercador marroquino

"Hoje tive uma animada discussão com um comerciante de Fez (segunda maior cidade de Marrocos) para descobrir o que os mouros acham da civilização européia. Ele era um homem fino, com cerca de quarenta anos de idade e uma face séria e honesta. Fizera viagens de negócios às mais importantes cidades da Europa ocidental e vivera bastante tempo em Tânger, onde aprendeu o espanhol. Perguntei-lhe que tipo de impressão as grandes cidades européias lhe causaram.




Ele me olhou duro e respondeu friamente: 'Ruas amplas, lojas finas, lindos palácios, boas oficinas, tudo limpo.' Deu a impressão, com estas palavras, que mencionava tudo que era digno de louvor nos países europeus.
'O senhor não encontrou nada mais que seja belo e bom?', eu lhe perguntei. Fiz referência aos confortos da civilização européia...
'Isto é verdade', retrucou ele. 'Um pouco de sol? Uma viseira! Chuva? Uma sombrinha! Poeira? Um par de luvas! Uma caminhada? Uma bengala! Olhar em volta? Um par de óculos! Uma excurssão? Um carro! Para sentar? Uma cadeira! Comer? Garfos e facas! Um arranhão? Um médico. Morte? Uma estátua! Vocês são realmente homens? Por Dios, vocês são crianças!'

Ele chegou até a caçoar de nossa  arquitetura quando mencionei o conforto de nossas casas. 'O quê? Trezentos de vocês vivendo em um único prédio, um em cima do outro! Você tem de subir, subir, subir... Não há ar, nem luz, nem jardim!'

Então eu lhe disse que num domínio ele certamente reconheceria nossa superioridade, pois, em vez de ficarmos preguiçosamente sentados por horas com as pernas cruzadas, empregávamos nosso tempo em milhares de atividades úteis ou divertidas. A isto ele deu uma resposta mais sutil do que eu esperava: não lhe parecia um bom sinal, respondeu, que sentíssemos necessidade de fazer tantas coisas para passar o tempo. A própria vida deveria ser uma tortura para nós, se éramos totalmente incapazes de nos sentar quietos por uma única hora, sem ficarmos mortos de tédio tendo de buscar alívio em alguma distração ou conversa. Tínhamos medo de nós mesmos? O que era que nos atormentava?

Mas afinal, perguntei-lhe, o senhor não trocaria sua situação pela nossa? Ele pensou um pouco e respondeu: 'Não. Pois vocês não vivem mais do que nós, não são mais saudáveis do que nós, nem melhores, nem mais piedosos, nem mais felizes. Vocês deveriam nos deixar em paz. Não queiram que todos devam viver como vocês e ser felizes segundo seus padrões. Não é atoa que Deus colocou um mar entre o norte da África e a Europa.' "


Essa singular, surpreendente e elucidativa conversa - reproduzida em Fez, City of Islam, de Titus Burckhardt - aconteceu entre um comerciante muçulmano de Fez, Marrocos, e o embaixador italiano neste país. O colóquio entre o diplomata ocidental e o mercador magrebino aconteceu no final do século XIX. Nem por isso perdeu sua atualidade.

De fato, os encontros - seria mais correto falar em desencontros - entre a moderna civilização ocidental, dessacralizada, cientificista e tecnológica, e a civilização tradicional, no caso a islâmica, têm se repetido ao longo de todo o século XX. A conversa entre o embaixador do mundo moderno e o homem tradicional é relevante e atual porque toca em questões que muitos de nós já se puseram. Apesar do século que já se passou desde a conversa, os desafios colocados pelo mercado magrebino continuam de pé.

Nossas cidades são realmente muito grandes, aparentemente limpas, mas o homem de Fez intuiu a falta de algo, de alma e de verdade talvez, numa estrutura que parece mais voltada às máquinas ou às formigas do que a seres humanos concebidos em sua integralidade - feitos de corpo, alma e espírito.

Somos comparados a "crianças", viciados e obcecados que somos pelo conforto. O homem de Fez indica que, além de certos limites, o conforto acaba por embotar a vivacidade e o senso de proporções, para não dizer até a virilidade do homem moderno. Em sua maneira simples e direta de falar, aponta para o caráter muitas vezes desumano da arquitetura moderna, que nos priva entre outras coisas de um contato direto com a natureza e seus ritmos.

Finalmente, faz menção à nossa incessante agitação, na maior parte das vezes estéril. Por que, pergunta ele, sem obter resposta, nossa incapacidade para o silêncio e para o repouso? O que afinal nos preocupa? O que nos atormenta? Aonde queremos chegar? Não estaria também correto ao não nos considerar, de fato, nem melhores nem mais felizes do que eles, os homens tradicionais? Por que então, queremos impor nosso padrões? Será que é porque, como diz um antigo ditado: "a desgraça quer sempre companhia"?



domingo, 31 de março de 2013

Dar e receber, perdoar e vingar




"Ninguém pode receber mais do que dá, porque é o dar que cria a capacidade do receber. A receptividade é produzida e aumentada pela medida da vontade de dar. A medida dos dons que de Deus se recebe corresponde à medida da boa vontade com que se dá aos semelhantes o que se tem e o que se é.

No plano das coisas materiais, geralmente, quem dá esses dons perde-os e é empobrecido, e quem se apodera das coisas físicas enriquece. Mas no plano do espírito é exatamente o contrário: quem dá aos outros o que tem é enriquecido - e quem se recusa a dar, ou até tira dos outros, é empobrecido. Se dou aos outros o meu saber, possuo-o em maior abundância do que antes. Quanto mais amor dou a meus semelhantes, tanto mais abundante possuo a riqueza do meu amor.

O perfeito egoísta é um recebedor exclusivo - o perfeito altruísta é um doador universal. O egoísta é, por isso mesmo, a encarnação da indigência - como o altruísta é a personificação da abundância. Quem só pensa em receber é um escravo infeliz - quem de preferência pensa em dar é homem livre e feliz."*






Quando confrontadas a respeito dessa verdade, a maioria das pessoas a considera absurda. A lógica que rege o mundo é a da conquista, da acumulação, da competição, e não a da partilha e da colaboração. Ainda que no plano físico a matemática seja simples, não é o simples acúmulo (seja de bens, conhecimento ou sentimentos) que trará a prosperidade comum. E como somos seres sociais, totalmente dependentes de um ambiente propício e interação para vivermos com qualidade, quanto mais nossa mente for voltada para o acúmulo, maior tribulação nos acometerá no fim das contas.

Portanto, não só no plano espiritual, a partilha e a transmissão são práticas saudáveis e multiplicadoras em todos os sentidos. Essa realidade só é percebida para os que a praticam; ou seja, os que escolhem abrir mão da aparente lógica por trás dessas práticas. Uma pessoa nunca conseguirá entender através de explicações externas, a satisfação que é fazer de si mesmo, um agente transmissor e potencializador de virtudes.

A compreensão da ordem divina que rege o mundo vem como consequência da escolha racional de olhar menos para dentro de si e mais para as necessidades que nos cercam. Isso se dá por que o instinto protetivo e de auto-preservação já nos acompanha desde o nascimento. Não precisamos ser ensinados a cuidar de nossos próprios interesses, no entanto, um trabalho forte e constante é necessário para que consigamos encontrar verdadeiro regozijo na satisfação das necessidades do próximo.

Acontece que existem barreiras criadas por nosso ego (eu cósmico) que nos impedem de extender nossa consciência a esse ponto, nos prendendo somente na satisfação de necessidades próprias. Dessa forma, a não-identificação com o próprio ego é a única forma de conseguirmos desprendimento desse plano limitado de compreensão e ação. E para que isso aconteça, antes de tudo é necessário que aprendamos a perdoar, mas não somente isso:


"A verdadeira felicidade consiste na posse de tesouros imperecíveis, e estes valores eternos só podem vir da suprema Realidade, Deus. Mas esses tesouros só podem ser recebidos por quem é receptivo, e a creação dessa receptividade depende da minha interna atitude de generosidade e liberalidade, da facilidade com que partilho com meus semelhantes o que tenho e o que sou. Esse dar do próprio Eu, essa espontânea doação da própria pessoa em benefício dos outros é um doar completo, um perdoar¹.

O sentido profundo é este: o ofendido deve desligar-se do ofensor, ignorá-lo, não tomar nota; não deve sentir-se ofendido. Somente é ofendível o homem-ego, ao passo que o homem-Eu é inofendível. O ego ofendível é como água, que é alérgica às impurezas do ambiente e é por ele contaminada. O Eu, porém, é como luz ("vós sois a luz do mundo"), que é absolutamente incontaminável pelo ambiente; não existe luz impura; ela é pura no meio de ambientes impuros. A imunidade da luz é absoluta, ao passo que a imunidade da água é relativa.

Assim, o Eu, que é luz, é inofendível, ao passo que o ego, que ainda é como água, é ofendível. Muitas vezes o ego se sente ofendido; mesmo quando não há ofensor ele inventa pseudo-ofensas. Quem se sente ofendido confessa que se acha no mesmo plano do ofensor; quem não se sente ofendido está num plano acima do ofensor².
A lei de Moisés manda vingar a ofensa - "olho por olho, dente por dente". Certos teólogos mandam perdoar a ofensa. Mas, tanto o vingador quanto o perdoador provam que ainda estão no plano inferior da egoidade, uma vez que somente o ego é ofendível.³

Melhor do que vingar ou perdoar é desligar-se, ultrapassar o horizontal do ego ofendível e subir para a vertical do Eu inofendível."*

É assim que funciona uma consciência elevada, verdadeiramente evoluída no sentido de compreender que não pertence a este mundo, mas está aqui apenas de passagem, para cumprir certos desígnios.

Dar demasia importância às coisas terrenas a ponto de deixar que a vida se torne uma constante busca por realizações terrenas é uma ofensa direta a Deus, que nos criou com consciência, inteligência, capacidade crítica e investigativa; todas as ferramentas possíveis para que investiguemos assuntos e questões da ordem metafísica e espiritual. É nesse ponto que a esmagadora maioria da humanidade sempre se perdeu.

"A evolução humana consiste essencialmente na expansão progressiva da sua consciência, no desdobramento ou alargamento do seu Eu individual rumo à consiência universal; ou seja, na transição da consciência unilateral, egocêntrica, para a consciência onilateral, cosmocêntrica."*


 A não-identificação é a chave para o verdadeiro perdão. E o perdão é o que nos abre as portas para compreender essa verdade essencial sobre dar e receber. Sem estas bases bem estabelecidas é impensável que consigamos entender sequer os fundamentos do amor de Cristo por nós, e consequentemente do nosso diante dos outros. Ninguém pode dar o que nunca recebeu, mas o fato é que já recebemos mais amor do que podemos compreender.





* Trechos do livro A Metafísica do Cristianismo, de Humberto Rohden

¹ Em todas as línguas a palavra "perdoar" é um composto de "dar" ou "doar". Perdonare (de donare, doar), vergeben (de geben, dar), forgive (de give, dar). Os prefixos "per", "ver", e "for" denotam totalidade, plenitude, inteireza.

² Como ilustrado pelo texto: "Os níveis do Ser Humano"

³ Existem práticas na doutrina gnóstica sobre como silenciar o ego, ou mesmo "matá-lo"; embora eu não recomende esse tipo de leitura para pessoas que não possuem uma forte base espiritual prévia.

terça-feira, 26 de março de 2013

O Sobrenatural Natural



Vou basear a reflexão de hoje em trechos tirados do livro "A Metafísica do Cristianismo", do filósofo brasileiro Humberto Rohden, que explica com simplicidade e objetividade como deveria se dar a ascensão espiritual de forma mais natural possível:









"O século XIX foi o século do materialismo clássico; hoje, cientificamente falando, o materialismo morreu... por falta de matéria, pois a ciência provou que a matéria não existe, é uma simples forma ou um estado de ser da energia. A mesma energia pode aparecer visível e invisível. A mesma matéria pode ser objeto dos nossos sentidos e pode, também, ser de todo imperceptível.

Coisa análoga dá-se todos os dias na natureza; as plantas extraem da terra elementos inorgânicos, chamados "não vivos", e, sob o impacto da vida, ou do princípio vital, transmudam essas substâncias "mortas" em substâncias "vivas" - verdadeira ressureição.
Os animais, por seu turno, assimilando as plantas, conferem sensibilidade a seres insensíveis.

Para realizar essas ressurreições, basta que a planta ou o animal consigam permear completamente do seu princípio vital ou sensitivo as substância não vivas ou não sensitivas, e assim as vitalizam ou sentivizam.

Nada disso é milagre ou exceção das leis da natureza, mas uma constante afirmação e confirmação dessas mesmas leis. Da mesma forma, não é milagre que o nosso corpo material, sob o poderoso impacto do espírito, a mais alta energia do universo, seja transformado em corpo espiritual, isento das leis da gravidade e dimensão que regem a matéria no plano inferior da existência.

Um dos maiores obstáculos à compreensão desse processo é o costume tradicional e errôneo de dividirmos a realidade em zona natural e sobrenatural. De fato, o sobrenatural é um simples refúgio da nossa ignorância. Para Deus não há sobrenatural, e quanto mais o homem se diviniza pela expansão da sua consciência, tanto mais perde a noção do sobrenatural e tanto mais natural considera tudo o que acontece. Deus é infinitamente natural, e é esta a razão por que nós, sendo apenas finitamente naturais, o consideramos sobrenatural.

Para o mineral, a vida da planta é sobrenatural. Para a planta, a sensitividade do animal é sobrenatural. Para o animal, a atividade intelectual do homem é sobrenatural. Para o homem simplesmente intelectual, o mundo espiritual é sobrenatural. Mas todas essas "sobrenaturalidades" são apenas relativas, tomando da perspectiva do observador que se acha em plano inferior; visto do plano superior, o sobrenatural é natural. Do plano supremo ou divino, nada é sobrenatural, tudo é absolutamente natural."


Esse trecho nos apresenta uma outra perspectiva para a compreensão do sobrenatural. Tudo aquilo que nos parece misterioso, inatingível ou mesmo inexplicável, não é nada além de uma realidade natural, mas que é indecifrável/imperceptível diante das limitações dos nossos sentidos e capacidades normais.

A grande diferença entre os seres humanos e as formas inferiores de existência nesse plano, é que temos uma consciência capaz de se expandir e adquirir compreensão dos planos de existência superiores (plano espiritual). Dessa forma, o que nos parece sobrenatural nos é revelado como um outro plano natural, o metafísico.

Ocorre que essa ascensão da compreensão humana, que seria o degrau mais elevado em nossa jornada interior, requer que estejamos perfeitamente alinhados com as leis divinas que foram feitas para a organização total do universo. Podemos dizer com segurança que estamos num plano regido por leis cósmicas (cosmo, do grego antigo κόσμος, transl. kósmos, "ordem") e não um universo de caos (desordem e confusão). 

E é por vivermos num universo de ordem, que estamos, de plano, impedidos de viver de maneira completamente alheia a sua organização e sua lógica. Sendo assim, temos apenas duas decisões possíveis para tomar ao escolher como pautaremos nossa existência. Podemos escolher cumprir com gozo ou com sofrimento, a vontade creadora¹ do Universo, estabelecida por Deus. A escolha da forma com que cumpriremos tais desígnios é tudo.

Acontece que os seres humanos costumam cumprir a vontade de Deus de maneira dolorosa, com muitos sofrimentos e sacrifícios. Mas isso é tudo o que o livre-arbítrio lhes faculta fazer. Eles o fazem assim porque julgam poder encontrar felicidade no cumprimento da sua vontade humana contra a vontade divina. É desnecessário dizer que para que a vontade creadora¹ se manifeste e seja cumprida com alegria, a criatura se disponha a submeter seus ímpetos e vontades à vontade divina.

E é esse o fardo e o dilema que marca a vida de quase que a totalidade de quem busca esse caminho mais elevado. Mas as coisas não deveriam ser assim. Elas não precisam ser assim. Entendamos:

"Existe uma literatura devocional que pretende fazer crer que a vida de Jesus Cristo foi uma vida triste, dolorosa, e que todo cristão genuíno deva levar a vida de tristezas e dores. A verdade, porém, é que nunca foi vivida sobre a face da terra uma vida mais bela e jubilosa que a do Nazareno, uma vez que para ele a espiritualidade não era sacrificial e cruciante, como é geralmente para seus discípulos, mas divinamente deleitosa, tanto assim que ele compara o cumprimento da vontade do Pai celeste a um banquete ou manjar apetitoso: "O meu manjar é cumprir a vontade daquele que me enviou" (Jo 4:34). O místico, o homem plenamente cristificado, é o único homem que pode realmente gozar as coisas belas do mundo de Deus, porque está em perfeita harmonia com o Deus do mundo, e o seu gozo não contém o menor ressaibo de amargura, como necessariamente acontece com o gozador profano, o homem que quer gozar o mundo de Deus sem estar em paz com o Deus do mundo. O homem espiritual não só conhece as alegrias puras do espírito, mas é também o único homem que pode gozar em cheio das belezas do mundo material, porque goza-as com liberdade interior - goza-as sem temor nem remorso, descobre-lhes a suavidade interna, que para o gozador materialista é desconhecida. A verdadeira mística é poesia e delícia, porque é retidão e racionalidade.

Pensam os inexperientes que a mística e a racionalidade sejam duas coisas incompatíveis e mutuamente exclusivas, quando na verdade o único racionalista genuíno é o místico; é o realista por excelência, como o Cristo, que, sendo o rei da mística, era também o rei da racionalidade. Com efeito, tanto mais realista e racional é o homem quanto mais espiritual e místico. Deus, o Espírito infinito, é também a Razão sem limites e a Realidade absoluta.

O que não é feito com facilidade e espontânea alegria não tem garantia de perpetuidade, como vemos em todos os reinos da natureza. Se tivéssemos de comer e beber e dormir e procriar filhos unicamente pelo estrito senso do dever, já não existiria ser vivo sobre a terra, e a humanidade estaria extinta há muito tempo. A natureza sabe porque associou o deleite a todas as coisas necessárias. O mesmo acontece nas regiões superiores da vida. Enquanto a vida espiritual for para mim um sacrifício diário e uma tortura perene, não tenho garantia de perseverança no terreno da espiritualidade; cedo ou tarde, em lances críticos, a minha "virtude" falhará, como acabarão por falhas todas as atitudes difíceis e penosas.

Só no dia em que os cruciantes imperativos da ética se transformarem em exultantes optativos da mística; quando a amargura do dever se converter na suavidade do querer; quando eu puder em verdade dizer com o salmista: "Eu amo a Tua lei, Senhor, e os Teus preceitos são a minha delícia" - só então terei sólida garantia para a perpetuidade da minha vida espiritual. Enquanto o amor para com meus inimigos me parecer absurdo ou heroico; enquanto o receber me der maior felicidade que o dar; enquanto o espírito do Sermão da Montanha me parecer apenas um longínquo idealismo teórico, e não um propínquo realismo prático - não terei uma espiritualidade feliz; não terei feito a vontade de Deus aqui na terra assim como ela é feita nos céus. "Deus ama um doador alegre" - e não um servidor tristonho e gemebundo."

Esse é o caminho das pedras. Essa é a verdadeira transformação da mente que irá experimentar a perfeita vontade de Deus. É a diferença dos que se convertem e dos que apenas se convencem.

É através desse processo natural que encontraremos dentro e diante de nós, o verdadeiro sobrenatural. O sobrenatural natural!


¹: Até bem pouco tempo, existiam os verbos CREAR e CRIAR, os quais não eram sinônimos. Crear significava "tirar do nada", e era verbo irregular; o segundo vocábulo, criar, significava "dar de comer", "nutrir". Essa é a razão pela qual, os dois conceitos se tornam filosoficamente incompatíveis; sendo portanto, de extrema importância que a distinção permanceça acontecendo, para que não haja confusão entre os dois conceitos.

 







O homem perfeito não será, pois, um homem sem corpo - que não seria homem na verdade -, mas um homem cujo princípio superior (alma) penetrou plenamente no princípio inferior (corpo).
'E haverá um novo céu e uma terra nova... Deus habitará no meio dos homens... E o reino dos céus será proclamado sore a face da terra..."










segunda-feira, 4 de março de 2013

A compulsão patológica pela auto-projeção



Aqui vai uma breve reflexão que me ocorreu enquanto eu lia o trecho de um livro que faz um apanhado histórico de alguns pontos sobre o comportamento e a evolução social da humanidade.

Nesse capítulo específico, é narrado como se manifestavam alguns comportamentos que hoje são reconhecidamente patológicos, numa época em que suas causas ainda eram desconhecidas.

"A anorexia, que implicava em recusar alimento e que normalmente se manifestava diante da família inteira, na hora das refeições era ainda mais útil. De acordo com a mesma historiadora (Elaine Showalter), dava às moças que sofriam dela "o meio perfeito" de controlar suas famílias; fazendo "os pais ficarem possessos, as mães, chorarem" e tornava-as "o único objeto de preocupação e das conversas". Não foi à toa que a chamaram de "a clássica doença da moda na belle époque".

As pacientes com suficiente discernimento, tais como Florence Nightingale, às vezes acabavam admitindo que queriam atenção e encontravam meios melhores de consegui-la. Algumas acusavam os médicos que tinham feito de tudo para obter uma cura; ainda faziam de seus sintomas o centro de sua vida.


(...)


Algumas mulheres fingiam sintomas, ou seja, punham fezes na boca e vomitavam para simular problemas do sistema digestivo. Outras falavam sem parar. Dessas, a que ficou mais conhecida foi a "Dora" de Freud. Dora, cujo nome real era Ida Bauer, era a filha de uma família de classe média alta. Tinha sido encaminhada por uma variedade de sintomas, incluindo a inabilidade de falar sua língua natal (mas não as outras com as quais tinha familiaridade). Ela gostou tanto de ser um famoso estudo de caso que isso se tornou o centro de sua existência. Desde então, tentou repetir seu triunfo: exibindo novos sintomas e indo de médico em médico numa interminável busca por atenção."
  ¹


                           


Ao ler essa tendência fica impossível não traçar um paralelo com um comportamento amplamente disseminado nos dias de hoje: o sonho de alcançar a fama, o destaque social e o reconhecimento das pessoas.

Lembrando que essa síndrome vai muito além daqueles que sonham em ser atletas famosos, estrelas da música, ou artistas da televisão ou cinema - não que haja nada de errado em ser essas coisas, desde que você tenha uma aptidão e gosto natural para tanto, e não busque tais carreiras por causa da consequência que elas trazem, mas pelo exercício do ofício em si - falo de todos que possuem como estilo de vida, a construção e a exposição da própria figura, ainda que em menores redutos. Estão aí os exemplos dos que buscam fama ao se apresentarem em palcos ou quadras aplaudidos por dezenas de milhares de pessoas, e outros que simulam doenças psíquicas apenas para obter atenção dos pais. Mas será essa busca por reconhecimento e atenção natural do ser humano, ou apenas mais um sintoma de uma doença da alma?

Vivemos a era do rápido - quase instantâneo - tráfego de informações, excesso de meios de comunicação e interação, fazendo com que muitas vezes nos tornemos dependentes dessa dinamica. Não é raro encontrar pessoas que entram em pânico ao ficar sem celular, ou conexão de internet por algumas horas. O desespero de perder contato com os outros só pode ser tão angustiante para aqueles que tem medo de ter contato consigo mesmos. É como diz Arthur Schopenhauer:

"O homem só pode ser si mesmo por completo enquanto estiver sozinho; por conseguinte, quem não ama a solidão, não ama a liberdade; pois o homem só é livre quando está sozinho. Cada qual evitará, suportará ou amará a solidão na proporção exata do valor de seu próprio ser.
Porque na solidão o mesquinho sente toda a sua mesquinhez, o espírito elevado toda a magnitude de sua grandeza; em suma, cada qual sente aquilo que é. Ademais, quanto mais elevada for a posição que um homem ocupa na hierarquia da natureza, mais solitário será; isso é essencial e inevitável." 


Ainda na temática das interações virtuais, observem que as redes sociais que mais fazem sucesso nos últimos anos são aquelas onde é possível um maior grau de exposição do sujeito, através de fotos, vídeos, opiniões, textos, localidades onde se visita e todo tipo de informação. Acontece que agora podemos não apenas comentar livremente sobre cada aspecto da vida alheia, como também emitir um juízo de valor sobre eles. No Facebook, por exemplo, a possibilidade de hipocrisia e afago do ego alheio é absoluta. Pode-se "curtir" algo, mas não "descurtir", ou protestar, sem se expor através de um comentário direto; coisa que a maioria evita, afinal não pega bem passar por contestador, estraga-prazeres, ou revoltado. Afinal é um pecado mortal criticar a opinião, a imagem e ferir o ego alheio.

E de toda essa facilitação técnica somada à nossa cultura relativista, politicamente correta e flagrantemente hipócrita, surge a prática de "se vender".
É uma espécie de comportamento quase patológico, onde pessoas comuns parecem se comportar como celebridades, dando notícia de tudo o que fazem, comem, gostam, acham, enxergam, vão e pensam. E claro, tudo passa pelo filtro da moda, do luxo e do glamour antes de ser compartilhado. Ainda estou pagando pra ver quem poste foto do misto quente feito na chapa da padaria ou faça check-in no dogão do Seu Zé de Freitas.A pessoa tem que saber "se vender", mostrar a que veio, fazer um bom marketing pessoal - como no brilhante artigo do Luiz Felipe Pondé - afinal nem todos tem obrigação de saber quem você é de verdade. 

A minha pergunta é: e quem disse que todo mundo deve necessariamente te conhecer e saber quem/como você é? E mais: quem disse que a maioria delas se importa com isso?

Bom, talvez a maioria até se importe; mas o que vejo é que não são todas as pessoas que "se vendem", que são muito procuradas e "consumidas" virtualmente. O que vejo é que uma minoria realmente recebem a tão preciosa atenção que procuram ao se expor nas redes sociais. E são justamente aquelas pessoas que já atingiram o que a maioria busca com essa prática: destaque social, uma quantidade maior ou menor de status, fama, grana, e por aí vai. Não é necessário discorrer sobre a miséria moral e espiritual que paira sobre as almas que buscam somente essas coisas, ou mesmo as consideram expoentes de sucesso, desenvolvimento e grandeza de um ser humano.


Essa mentalidade acaba gerando uma distorção enorme, onde as pessoas começam a desvalorizar a mansidão, a humildade, a discrição e começam de uma forma ou de outra a apreciar a arrogância, a prepotência, geralmente tentando camuflar essas baixezas sob pretextos equinos como: "ah, ele é ignorante mas tem um bom coração", "ele é arrogante mas é sincero, fala o que pensa", "ele é grosseiro, prepotente mas tem personalidade, né?".

Assim fica fácil concluir que essa cultura da auto-exposição, seja em maior ou menor grau, denota um profundo nível de vazio interior, de carência por qualquer motivo, de baixo nível intelectual, sabedoria (não confundir com conhecimento técnico ou mesmo sucesso em determinada profissão; uma coisa não tem nada a ver com a outra) e afins.
Em suma, é a celebração da futilidade, da aparência e de desejos igualmente baixos e fúteis, sobre a realidade, a essência, a verdade. Prefere-se omitir uma opinião, censurar uma ideia própria, abandonar uma causa do que correr o risco de ser mal visto ou mal falado pelos outros. Esse é o tipo de covardia moral mais grave, pois coloca-se a própria imagem e a busca pela adulação, acima da própria verdade de si - assunto de extrema seriedade sobre o qual discorri na postagem passada. Assim a corrosão do caráter e a confusão absoluta passa a ser questão de tempo. Até que chega-se ao ponto em que é mais importante saber escolher uma roupa camuflada, o filtro certo e o ângulo apropriado na foto do que efetivamente suar para manter a silhueta nos conformes;  melhor aparentar estar sempre saudável, bem-humorado, feliz e realizado do que efetivamente batalhar para viver isso; mais vale tirar foto de cada segundo em que o sol recua rumo ao horizonte do que contemplar lentamente a beleza do astro-rei desaparecendo ao longe no oceano.

Benvindos à época onde a ciência cria medicações na velocidade da luz mas as doenças psíquicas e espirituais pululam a vários gigabytes por segundo.






                          


¹: Trecho extraído da obra "O Sexo Privilegiado", do historiador Martin Van Creveld - pg.402-403
²: Ouçam/leiam: Dea Pecuniae

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

O papel da verdade na formação do ser






"Olhando fixamente para dentro de seu coração, 
um homem "lê" o que está inscrito na sua consciência íntima, 
como palavras de um texto supremamente auto-evidente. 
Ao subir para a periferia da mente - onde estão depositadas, 
como redes superpostas, a gramática do idioma pátrio, 
as regras de estilo, os usos do vocabulário e as exigências da moda,
 as palavras do discurso íntimo se embaralham, 
entrando por automatismo nesses canais e arranjos pré-moldados 
que as desfiguram e as afastam infinitamente do significado originário. 
Então é preciso mergulhar de novo e de novo, até que a imagem do 
discurso interior fique tão nítida na memória, que as formas da 
linguagem externa se amoldem a ela como meras vestimentas, 
sem deformá-la ou incomodá-la."¹








A mentira se tornou uma prática tão natural ao longo da história humana que pouco esforço é feito no sentido de traçar a real extensão de suas consequências, tornando-a uma alternativa aceitável para livrar seu criador de alguma situação difícil, constrangedora, ou mesmo para facilitar sua vida como uma incrivelmente útil e versátil ferramenta do dia a dia.

Basta voltar um pouco para notar que o próprio pecado original nasceu de uma mentira, inventada para concretizar um plano maligno fruto de um pecado capital (inveja). E dessa mentira se originaram infindáveis outras. O ponto é que nem sempre quem mente tem consciência da mentira que conta. Como descrito na citação inicial, toda informação que processamos passa necessariamente por vários filtros mentais até que se aloje em nossa consciência para ser futuramente utilizada na construção de um pensamento ou fala.

E todo esse processo nos leva a uma pergunta: qual será o estado de limpeza de nossos filtros?

Vamos lá: A mente humana funciona de maneira sistêmica/orgânica. Sendo que quando alguém nega uma verdade fundamental (consciente ou inconscientemente), sua mente é automaticamente privada de uma série de outras verdades que derivam dessa primeira. Esse processo pode se dar primeiro em pequenas mentiras, mas a repetição diária de mentiras pequenas abre precedente para a aceitação de mentiras maiores. E cada um desses processos molda independentemente o caráter, a sensibilidade espiritual, a capacidade de auto-conhecimento e auto-reflexão da pessoa, que vai aos poucos se tornando uma mentira ambulante. A própria essência desse ser se tornou doente de tal maneira, que todas as suas bases e mecanismos de funcionamento estão contaminadas por mentiras. E é assim que uma pessoa entra em estado de neurose.²

Portanto a neurose é o preço da negação da verdade. E para evitar esse quadro, deve-se primeiro admitir a verdade sobre si mesmo. É absolutamente impensável que alguém que desconhece a si mesmo seja capaz de conhecer a verdade sobre as outras pessoas, sobre o mundo, ou sobre qualquer outro aspecto. Uma pessoa que não realiza constantemente uma análise de suas atitudes, é absolutamente honesta e franca consigo mesmo quando a suas falhas, tem seus padrões morais paulatinamente alterados de maneira inconsciente. Uma pessoa que procura ter os olhos focados, a alma limpa e o espírito puro deve necessariamente estar disposta a se voltar constantemente para Deus com honestidade e expõr todas as mentiras que foram ditas, pensadas, em que fingiu acreditar, as más intenções que teve, etc... Ainda que voltemos a praticar essas condutas algum tempo depois (pois isso é inevitável segundo a própria natureza pecaminosa humana), o importante é que essa prontidão em reconhecer os próprios erros e defeitos esteja sempre sendo exercida.


O que não faltam na Bíblia são exemplos de homens que cometeram pecados mortais e ainda assim foram considerados exemplares aos olhos de Deus. Isso se deve não à gravidade do pecado que cometeram, mas pela disposição e sinceridade constantes que os faziam retornar sempre ao Criador, buscando compreensão, sabedoria e superação.

A ideia é que não importa a quantidade de erros que cometemos, mas a inclinação sucessiva que temos em nosso coração para nos abrirmos em total humildade e sinceridade perante a Deus e à nós mesmos. Essa é a base da própria sanidade. Entender que nossas ideias, pensamentos, desejos ou mesmo sonhos, não são o centro do mundo. É ser capaz de parar de olhar para o próprio umbigo e começar a buscar conhecimento da realidade e da verdade que estão adiante. Temos a própria definição da técnica psicanalítica no sentido clássico dentro desse contexto; que consiste na anamnese - lembrar a realidade dos fatos e se desfazer das racionalizações com as quais você a encobriu (processo descrito na citação inicial).

Em suma: o egocentrismo é o resíduo subjetivo que escraviza a mente humana e a torna incapaz de se situar dentro da realidade; ao passo que a sinceridade é a base para a sanidade.

E esse é o momento em que cada um deve submeter tudo ao que foi dito aqui com os traços culturais mais marcantes de nosso tempo: busca por satisfação pessoal, realização de vontades e prazeres egoístas... vidas inteiras baseadas nesse contexto. Creio que poucos instantes bastam para que se conclua que vivemos num sistema extremamente nocivo em relação a valores, comportamentos mundialmente disseminados e aceitos; como se caminhássemos numa densa nuvem tóxica tendo que moldar nossa máscara de proteção (que paradoxalmente consiste em eliminar de si qualquer máscara que tenhamos construído ao longo da vida) dia após dia.








"Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, desperta."
Carl Jung






...

O que usa de fraude não habitará em minha casa; o que profere mentiras não estará firme perante os meus olhos.
Salmos 101:7

Os lábios mentirosos são abomináveis ao Senhor; mas os que praticam a verdade são o seu deleite.
Provérbios 12:22

Pelo que deixai a mentira, e falai a verdade cada um com o seu próximo, pois somos membros uns dos outros.
Efésios 4:25

Não mintais uns aos outros, pois que já vos despistes do homem velho com os seus feitos, e vos vestistes do novo, que se renova para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou;
Colossenses 3:9-10

Mas, se tendes amargo ciúme e sentimento faccioso em vosso coração, não vos glorieis, nem mintais contra a verdade.
Tiago 3:14

Ficarão de fora os cães, os feiticeiros, os adúlteros, os homicidas, os idólatras, e todo o que ama e pratica a mentira.
Apocalipse 22:15









¹: Nota introdutória do ensaio de dialética erística de Arthur Schopenhauer escrita por Olavo de Carvalho - ed. Topbooks (1997)
²: Segundo o psicólogo Juan Alfredo César Müller, neurose é nada mais que uma mentira esquecida na qual ainda se acredita.