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sexta-feira, 27 de junho de 2014

A Crise do Mundo Moderno

É sempre bom um pouco de perspectiva para entendermos, ainda que superficialmente as condições sob as quais vivemos. Quanto mais se olha para trás e para cima, melhor será a percepção dos parâmetros pelos quais pautamos desde nosso valores mais profundos, até nossas mais frívolas opiniões. É nesse sentido que a filosofia perene nos coloca diante de um holofote, para que assim percebamos em quão grandes trevas andamos às apalpadelas, ainda que acreditando testemunhar a época de maior clarividência e no ápice da sabedoria e conhecimento.

- A Crise do Mundo Moderno


A palavra "filosofia", em si mesma pode seguramente ser tomada em um sentido muito legítimo, que sem dúvida foi o seu primitivo sentido, sobretudo, se for verdade, como pretendem, que foi Pitágoras quem a empregou antes de qualquer outra pessoa: etimologicamente ela não significa senão "amor à sabedoria"; designa portanto, em primeiro lugar, uma prévia disposição requerida para ascender à sabedoria, mas também pode designar, por uma extensão muito natural, a procura que, provindo desta mesma disposição, deve conduzir ao conhecimento. Não é pois senão um estágio preliminar o preparatório de um encaminhamento que conduz à sabedoria, mas que nem por isso deixa de estar abaixo dela. O descaminho que se produziu posteriormente consistiu em tomar este grau transitório pelo próprio fim, tem pretender substituir pela sabedoria a "filosofia", o que implica na falta de lembrança ou o desconhecimento da verdadeira natureza da primeira. E foi assim que nasceu o que poderemos chamar a filosofia "profana", isto é, uma pretensa sabedoria puramente humana e por conseguinte de ordem simplesmente racional, tomando o lugar da verdadeira sabedoria tradicional, supra-racional e "não humana". 


É este o resultado em que culminaria o movimento começado pelos gregos, em que já se afirmavam as tendências que seriam em nossos dias levadas às conseqüências mais extremas. A excessiva importância que deram ao pensamento racional, acentuou-se ainda mais, chegando ao "racionalismo", atitude especialmente moderna que consiste, não mais em só e simplesmente ignorar mas em negar expressamente tudo quanto seja de ordem supra-racional.

Já foram também várias vezes assinalados certos traços comuns entre a decadência antiga e a época atual; e sem querer levar muito avante o paralelismo, devemos, efetivamente, reconhecer nele várias semelhanças notáveis. A filosofia puramente "profana" tinha ganho terreno; o aparecimento do cepticismo de um lado, o sucesso do "moralismo" estóico e epicurista do outro, mostram bastante até que ponto a intelectualidade desceu. Ao mesmo tempo as antigas doutrinas sagradas, que quase mais ninguém compreendia, tinham degenerado, devido a esta incompreensão, ao "paganismo", no verdadeiro sentido do termo, isto é, não passavam de "superstições", coisas que, tendo perdido sua profunda significação, sobrevivem a si mesmas por manifestações unicamente exteriores.



O acelerado declínio de uma civilização pode ser exposto pela 
degeneração de seu  senso estético, aversão à justiça, e à moral. 
As noções de arte ilustram bem esse aspecto.


A verdadeira Idade Média, para nós, estende-se desde o reinado de Carlos Magno até os princípios do século XIV. Com esta última data começa uma mova decadência, que através de etapas diversas, se foi acentuando até nossos dias. E o verdadeiro ponto de partida da crise moderna é o começo da desagregação da "cristandade", com a qual se identificava essencialmente a civilização medieval no Ocidente. Ao mesmo tempo, o fim do regime feudal, assaz intimamente ligado e solidário com esta mesma "cristandade", é a origem da constituição das "nacionalidades". Portanto, é preciso considerar o começo dos tempos modernos dois séculos mais cedo do que se leva em conta habitualmente.

Quanto às ciências tradicionais da idade média, depois de terem apresentado ainda algumas manifestações finais, inerentes a esta época, desapareceram tão radicalmente como as das civilizações mais remotas que foram outrora aniquiladas por algum cataclismo; desta vez, porém, nada haveria para substitui-las. Daí por diante nada mais houve além da filosofia e da ciência "profanas", isto é, a negação da verdadeira intelectualidade, a limitação do conhecimento à ordem mais inferior, o estudo empírico e analítico dos fatos que não estão mais ligados a qualquer princípio, a dispersão numa multidão indefinida de detalhes insignificantes, o acúmulo de hipóteses sem fundamentos, que se destróem incessantemente umas às outras, e vistas fragmentárias que a nada podem conduzir, salvo a essas aplicações práticas que constituem a única superioridade efetiva da civilização moderna; superioridade aliás pouco invejável, e que desenvolvendo-se até abafar qualquer outra preocupação deu à esta civilização o caráter puramente material que a tornou uma verdadeira monstruosidade.

Há uma palavra que ocupou um lugar de honra na Renascença, e que resumia antecipadamente todo o programa da civilização moderna: o "humanismo". Tratava-se, com efeito, de reduzir tudo a proporções puramente humanas; prescindir de qualquer princípio de ordem superior, e poder-se-ia dizer simbolicamente desviar-se do céu sob o pretexto de conquistar a terra.

O "humanismo" já era uma primeira forma daquilo em que se transformaria o "laicismo" contemporâneo; e querendo reduzir tudo à medida do homem, tomado como fim, a si próprio, acabou êle por descer de etapa  em etapa ao seu mais baixo nível, e para só quase procurar a satisfação das necessidades inerentes ao lado material de sua natureza, pretensão afinal de contas bastante ilusória, pois que esta suscita sempre mais necessidades artificiais dia que as poderia satisfazer.

Irá o mundo moderno até o fim deste fatal declive, ou então, como aconteceu na decadência do mundo greco-latino, uma nova correção se produzirá, e ainda desta vez antes que tenha atingido o fundo do abismo para onde está sendo arrastado? Mas parece provável que uma parada a meio caminho não seja mais possível. Segundo todas as indicações fornecidas pelas doutrinas tradicionais, nós já entramos decididamente na fase final da Kali Yuga, no período mais sombrio desta "idade sombria", e deste estado de dissolução não é mais possível sair senão por um cataclismo, pois neste caso não bastará
uma simples retificação — será necessário uma renovação total. A desordem e a confusão imperam em todos os campos, foram levadas a um ponto que ultrapassa muito e muito tudo quanto se havia visto precedententente, e partindo do Ocidente, ameaçam agora invadir o mundo inteiro.




Efetivamente é mesmo isso o que nós podemos constatar na civilização moderna, que não vive por assim dizer, senão daquilo que as civilizações anteriores desdenharam. Para o evidenciar, basta ver de que modo os representantes das civilizações que se puderam ainda manter, até agora no mundo oriental, apreciam as ciências ociden tais e suas aplicações industriais. Entretanto estes conhecimentos inferiores, tão vazios aos olhos de quem possui um conhecimento de outra ordem, deviam ser "realizados", e para isso seria preciso que se encontrassem numa fase em que a verdadeira intelectualidade tivesse desaparecido.

É esse o caso de tôdas as civilizações a que podemos chamar normais, ou ainda tradicionais; não há entre elas nenhuma oposição essencial, e as divergências, quando existam são apenas exteriores e superficiais; uma civilização que não reconheça princípio algum superior, que só seja na realidade fundada sobre uma negação de princípios, é ipso-facto desprovida de todo o meio de entendimento com as outras, pois este entendimento para ser verdadeiramente profundo e eficaz, só pode estabelecer-se pelo alto, quer dizer, precisamente pelo que falta a esta civilização anormal e que perdeu sua rota. No presente estado do mundo, temos por conseguinte, de um lado todas as civilizações que permaneceram fiéis ao espírito tradicional, que são as  civilizações orientais, e de outro lado uma civilização propriamente antitradicional que é a civilização ocidental moderna.

Excertos do primeiro capítulo da obra homônima de René Guénon. 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Filosofia Prática para Leigos

- A Filosofia é aplicável à vida?


Essa é uma questão que muitos tendem a responder negativamente; relacionam filosofia apenas a teoria, especulação, ideias, tudo que sozinho não pode produzir frutos na vida prática (lembrando que ao contrário do que a sociedade materialista apregoa, o campo da prática não está restrito a práticas sensoriais e físicas). A realidade é que essa noção não poderia estar mais equivocada. Vejamos:

'Entre as numerosas perguntas que, sem cessar, me são feitas sobre os cursos de Filosofia que leio e os livros que escrevo, essa é a mais frequente. Todos querem saber se a Filosofia tem qualquer relação com a vida humana, ou se é apenas uma teoria abstrata, para horas de ócio e lazer.

Por detrás dessa pergunta está latente a ignorância ou o erro que os consulentes nutrem a respeito de Filosofia. Para mim, teoria que não tenha nexo com a vida humana não é Filosofia. O fim primário da verdadeira Filosofia, é precisamente este: dar ao homem uma norma de vida, firme e indestrutível, um roteiro seguro de pensar e agir, de maneira que possa atingir a plenitude da sua evolução e, destarte, alcançar imperturbável felicidade.

As religiões, é verdade, também procuram realizar esse objetivo; mas as normas que elas dão a seus adeptos têm de ser criadas e aceitas cegamente como dogmas fixos e imutáveis - ao passo que a Filosofia leva os seus discípulos a compreenderem racionalmente, por experiência própria, a última razão-de-ser dessas normas; não exige fé teológica, mas prepara os caminhos para que o candidato à suprema sabedoria (sophia) possa, finalmente transpor o limiar do santuário e entrar em contato direto com o mundo invisível, que rege todos os mundos visíveis e, sobretudo, a vida humana. Sendo que este mundo invisível é o único mundo plenamente real, segue-se que só o homem que realiza a si mesmo pelo descobrimento do seu Eu central é que pode conhecer por experiência própria esse mundo da Realidade integral.

O cultor de dogmas religiosos é um crente - o iniciado na verdade da Filosofia é um sapiente.
É natural que o número dos crente seja maior, no estágio atual da evolução humana, do que o dos sapientes, porque o crer é relativamente fácil, ao passo que o saber exige uma disciplina tão intensa e prolongada que são poucos os que trilham esse "caminho estreito" e passam por essa "porta apertada", que dá ingresso ao Reino de Deus, da verdade e da felicidade.




                                                            * * *

Entretanto, o que a maior parte dos consulentes deseja saber, quando pergunta se a Filosofia é aplicável à vida prática, é o seguinte: sendo que todo homem adulto tem os seus dolorosos problemas, estão todos interessados em descobrir uma fórmula segura e de fácil aplicação que lhes garanta solução desde ou daquele problema da sua vida. Uns são infelizes nos seus amores; outros não tem sorte nos negócios; muitos são vítimas de doenças que lhes amarguram a vida - e assim por diante. É natural que cada um desses sofredores espere da Filosofia solução ou alívio nos seus dissabores.
Pode a Filosofia melhorar a vida humana, aqui na terra?
Pode, sim, ou melhor, a Filosofia, assim como nós a entendemos, é o único meio certo e seguro para encher de sólida tranquilidade e paz a alma e a vida do homem que com ela se identifique. Entretanto, são relativamente poucos os que experimentam esses efeitos benéficos da Filosofia Perene. Por quê?

Muitos esperam da Filosofia efeitos imediatos, mais ou menos como o efeito de um comprimido que, dissolvido na água, dentro de poucos minutos acaba com a dor de cabeça ou neutraliza a azia de estômago; ou como uma injeção que dá alívio rápido ao padecente.
Não é deste modo que a Filosofia atua sobre a vida humana, e isto por uma razão muito simples: é que ela, precisamente por ser "filosofia" (amor à sabedoria), não está interessada em curar sintomas de males, mas o próprio mal pela raiz. Como, porém, o mal fundamental da humanidade vem de longe e tem raízes profundas em cada ego pessoal, não é possível neutralizar esse mal em "três meses, com 36 lições", como certos faquires mentais prometem a seus ignorantes e ingênuos discípulos. A verdade atua segura, mas lentamente, porque tem de penetrar profundamente todos os elementos que constituem o homem: alma, mente e corpo; tem de eliminar as velhas e inveteradas toxinas da personalidade e substituí-las pelas seivas vitais da individualidade cósmica do homem perfeito e integral. Também, como poderia alguém esperar que os venenos da consciência físico-mental, eivada de egoísmo, fossem depurados em tão pouco tempo, quando a sua formação na personalidade humana remonta a 30, 50, 80 anos, e sua origem no seio do gênero humano data de milhões de anos?

O que a maior parte quer saber é se a Filosofia exerce impacto sobre a "vida prática", individual e social do homem; se dá saúde, se promove os negócios, se facilita a conquista de um bom emprego, se constrói um lar feliz, se facilita os estudos e os exames, etc., etc.
Respondemos com um afoito "sim" a todos esses quesitos, e isto sem o menor receio de errarmos, porque, além de milhares de fatos históricos, temos a nosso favor o testemunho da mais alta autoridade no assunto, o homem mais feliz do mundo, que disse: "Procurai em primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça, e todas as outras coisas vos serão dadas de acréscimo".
Todas essas "outras coisas" que nos serão dadas de acréscimo são as que acabamos de enumerar, e muitas outras.


A Filosofia trata daquilo que o homem é, da sua qualidade interna, do seu sujeito ou Eu, que Jesus chama "alma"; mas é um dos erros comuns e funestos supor que o elemento espiritual da qualidade deva substituir os elementos materiais da quantidade, os objetos externos, aquilo que o homem tem ou pode ter. Os grandes iluminados não falam em substituição, falam em integração das quantidades externas na qualidade interna. Se por vezes parece haver substituição das quantidades materiais pela quantidade espiritual, trata-se de uma fase de transição, de algo provisório, para que o homem materialista por meio do caminho da espiritualidade ascética, se habitue a ser homem espiritual e perfeitamente integrado no Universo de Deus.
Nesta altura, prevenimos insistentemente todos os candidatos inexperientes à auto-realização: que o "reino de Deus" deve ser procurado, em primeiro lugar, isto é, que o homem não deve, em hipótese alguma, servir-se das coisas espirituais como meio para o fim de alcançar as coisas materiais, porque isto seria procurar estas em primeiro lugar, como fim último, e degradar aquelas a segundo lugar, como simples meio. Semelhante procedimento seria uma inversão das eternas leis da Constituição Cósmica, erro que impediria que as "outras coisas" nos fossem dadas de acréscimo.

E é precisamente aqui que está o ponto nevrálgico e a última razão por que a maior parte dos aspirantes ao reino de Deus se sentem desiludidos e frustrados no seu intento e acabam por considerar a Filosofia como simples miragem. Secretamente, fazem consigo mesmos este cálculo ou raciocínio: tratarei das coisas espirituais, a fim de ter sorte nos afazeres materiais.

Sobre esta base falsa, anticósmica, pretendem então construir o edifício da sua prosperidade e ficam decepcionados quando as "outras coisas" que lhes foram prometidas como resultados certos, não aparecem. Culpam então, a Filosofia dos grandes Mestres - quando, na realidade, os únicos culpados são eles mesmos. Tentaram camuflar ou subornar a Constituição Cósmica; tentaram derrubar com a cabeça o Himalaia da eterna retitude.

A atitude correta que o homem deve assumir é esta: tratar das coisas do "reino de Deus" incondicionalmente, sem segundas intenções, sem restrições mentais, e prosseguir invariavelmente nessa atitude retilínea, quer venham quer não venham resultados materiais. Se o homem se entristece quando não aparecem resultados palpáveis, é prova de que a sua atitude interna era falsa, que procurava secretamente subordinar o mundo espiritual ao mundo material. É claro que as leis da Constituição Cósmica não favorecem semelhante atitude. Só quando o homem é 100% desinteressado nos resultados materiais é que ele verificará que "todas as outras coisas" lhe são dadas, e precisamente porque ele não as procurou nem fez depender delas o prosseguimento da sua espiritualidade. É este o estranho procedimento de todas as coisas no mundo: quando procuradas e apetecidas pelo homem, fogem dele - mas, quando abandonadas por ele ou tratadas com serena indiferença e espontâneo desapego, então essas coisas correm no encalço do homem e se lhe oferecem.

Algum diz a Filosofia Cósmica descobrirá e definirá essa grande lei: que o homem meramente intelectualizado, sem espiritualidade, cria em torno de si uma espécie de campo magnético de atuação centrífuga, estabelecendo uma polaridade hostil entre si e a Natureza, que foge dele, repelida pelas auras negativas do homem luciférico; mas, assim que o homem ultrapassa a zona da mera intelectualidade e entra no mundo da racionalidade espiritual - eis que o campo magnético se inverte, passando a atuar em sentido centrípeto, como força de sucção, atraindo para o homem todas as criaturas da Natureza. Com outras palavras: o homem que não encontrou a si mesmo, o seu divino sujeito, afugenta de si todos os objetos em derredor - mas o homem que encontrou o reino de Deus em si mesmo atrai a si todas as criaturas de Deus. A auto-realização produz automaticamente as alorrealizações, mas a falta de auto-realização torna impossíveis as alorrealizações.

Em uma palavra: o único modo seguro e certo para realizar as "outras coisas" é o homem realizar-se a si mesmo, o "reino de Deus dentro de si".

Até aqui, pelo menos 90% dos nossos leitores - ou talvez 99,9 - já devem estar desenganados, porquanto é difícil criarmos dentro de nós esse clima de desinteresse em face dos resultados palpáveis dos nossos trabalhos. Para a imensa maioria dos homens da presente evolução, não há incentivo suficiente para um trabalho eficiente e constante quando não existe a perspectiva de uma recompensa correspondente em forma de resultados materiais.

                                                           * * *


A Filosofia, como se vê, é um tremendo desafio, uma escola de disciplina rumo à verdade; ela não é ocupação para personalidades fracas e vacilantes (instáveis), nem pode ser praticada como hobby em horas de devaneio e passatempo. Exige dos seus adeptos uma auto-educação tão sincera e retilínea que, segundo as palavras do divino Mestre, são "poucos os que trilham esse caminho estreito e passam por essa porta apertada", porta que, não raro, se assemelha a um "fundo de agulha". "Muitos são os chamados - poucos os escolhidos." Mas esses poucos dispostos a pagar o preço da sua auto-realização - se derão por muito bem pagos por toda a disciplina que, voluntariamente, tomaram sobre si, porque descobriram o "tesouro oculto" e encontraram a "pérola preciosa" da Verdade Liberdadora, que lhes abriu o cárcere.

Entretanto, se alguém quer saber em 2 ou 5 minutos se a Filosofia é aplicável à vida, ninguém lhe poderá dizer de um modo compreensível. O único mode de saber da Verdade é vivê-la em si mesmo - mas essa vivência não lhe pode ser dada por terceiros. Quem não viveu a Verdade não sabe o que ela é. O que os outros podem fazer é tão-somente preparar-nos os caminhos e criar em torno de nós uma atmosfera propícia. A experiência, porém, é algo eminentemente individual, instranferível, como o próprio ser de cada um.

E, uma vez solvido o problema central da vida humana, todos os outros problemas periféricos estão solucionados, ou em vias de solução.
Na realidade, não há nada mais "prático" do que a Filosofia.

"Quem puder compreendê-lo, compreenda-o!" '



"Há uma grande diferença entre 
conhecer o caminho e percorrê-lo"


sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Todo mundo é uma prostituta

Eu podia tá matando, podia tá roubando, podia tá tirando a cutícula e usando uma gola V decotada, mas estou aqui para compartilhar essa pérola com vocês:


A retórica da inflação de ego está em todo lugar. No trabalho, na escola e no shopping, os americanos esperam que todos digam o quão especiais, talentosos e importantes eles são. Em nosso mundo invertido, os fracos são fortes de alguma forma, aquele que sobrevive a uma cutícula arrancada é corajoso, e todo burocrata que trabalha para o Departamento de Defesa é um maldito herói.

Na GloboCorp, o departamento de recursos humanos tenta convencer cada fulano e cicrana que eles são absolutamente essenciais para o sucesso da empresa. Os talentos criativos de cada um são valorizados e todos, do zelador ao presidente, são capazes de fazer contribuições positivas tremendas. Em seu recente livro sobre o valor do trabalho, Matthew B. Crawford argumenta que corporações modernas desvalorizam conquistas significativas quando elas nos agradam e fala como se todo mundo fosse uma espécie de Einstein.

Os americanos gostam que seja dito que são brilhantes e corajosos, mas como um povo, esses não são mais os nossos valores mais elevados. Quem consegue nomear cinco recentes e legítimos heróis de guerra? A plebe tampouco se importa a respeito de quem é inteligente. Ela só liga para a ciência quando quer perder peso, vencer uma discussão na Internet ou descobrir de que modo o mundo irá acabar. Se você conseguir falar agora o nome de dez caras que fazem ciência de verdade, você provavelmente é um cientista.

A maioria das pessoas sabe que elas não são Einsteins e pra falar a verdade elas não ligam pra isso. Elas têm uma preocupação mais premente.

O que elas realmente estão se perguntando é: "sou gostoso(a) ou não?”.

Pessoas bonitas são os faróis mais brilhantes do nosso mundo flutuante. Modelos atraentes e atores recebem muito mais elogios e atenção do que condecorados com a Medalha de Honra. As pessoas amam tecnologia, mas a usam para "acompanhar os Kardashians"1. Elas lotam as academias, mas força e fitness são apenas subprodutos do seu desejo de serem desejadas. Ninguém liga pra quanto peso Tatum Channing ou Brad Pitt conseguem levantar, ou quão rápido eles podem correr, ou o que eles são capazes de construir, ou quantos caras eles conseguem derrotar em um combate. Eles são admirados por serem desejáveis.

Antigamente, apenas as mulheres jovens se preocupavam excessivamente em serem desejadas. Em sociedades patriarcais tradicionais, uma mulher a qual nenhum homem quisesse como esposa se tornaria um fardo para seus pais. Uma mulher não desejada nunca poderia se tornar uma mãe ou administrar uma casa. Ela seria para sempre uma filha dependente ou uma independente e solitária solteirona. Para mulheres em idade de casar, a atratividade tem um valor muito alto e, embora a sua importância diminua com a idade, a maioria dos homens ainda prefere ter uma esposa bonita a uma feia. Seja por hábito ou por natureza, muitas mulheres tendem a gostar de se pintarem e se adornarem para parecerem mais jovens, férteis, femininas e atraentes. 


 No entanto, de todas as mulheres, a que mais se importa em ser desejada é a prostituta, porque sua sobrevivência depende da sua habilidade de fisgar os homens em seus quadris.

Alguns apontarão para a ornamentação masculina como um contraexemplo, mas a motivação por trás do embelezamento masculino tem sido tradicionalmente diferente. Quando os homens se ornamentam, eles o fazem para parecerem mais temíveis ou para comunicar status. O Samurai usava vermelho, e como em muitos pontos mais delicados da higiene samurai, eles o faziam para que seus inimigos os respeitassem como oponentes viris, mesmo depois que fossem mortos. Eles não “davam um trato no visual” para transar. Eles o faziam para ganhar o respeito de outros homens.

No fim de semana passado, um filme sobre strippers masculinos faturou $39,2 milhões de dólares nas bilheterias. A América percorreu um longo caminho desde Flashdance.

Em The Way of Men, eu usei Bonobos e Chimpanzés para comparar a sociedade orientada para o sexo feminino com a sociedade orientada para o sexo masculino. Pessoas não são exatamente a mesma coisa que macacos, mas eu acho que chimpanzés e bonobos fazem metáforas reveladoras sobre a situação em que nos encontrávamos e para onde aparentemente estamos indo.

Os bonobos vivem luxuosamente, com acesso a tanto alimento quanto precisam. Coalizões de fêmeas reprimem a agressão masculina e os machos raramente formam grupos coesos. Os machos não sabem quem são seus pais, somente suas mães. O sexo é igual ao que a vadia de um bar disse uma vez a um amigo meu; “como um aperto de mãos". O homossexualismo é lugar-comum porque o sexo é uma atividade social e todo mundo faz sexo com todo mundo. Não se trata de reprodução; se trata de masturbação mútua e de se divertir. Costuma-se dizer que os bonobos são pacíficos, e embora isso possa não ser completamente verdadeiro, eles são definitivamente matrilineares e excepcionalmente “safados”.




Os chimpanzés formam grupos de caça patriarcais. Os machos permanecem juntos e as fêmeas acabam migrando de grupo pra grupo. O sexo é uma atividade reprodutiva. O homossexualismo é raro. Os machos dominam as fêmeas e aqueles que estão no topo da hierarquia masculina controlam todo o grupo.




A América está rapidamente se tornando a "Sociedade Masturbatória dos Bonobos", devotada ao prazer e organizada primariamente para servir aos interesses das fêmeas. Cada vez mais homens são criados por mães solteiras e os machos são desencorajados a organizar qualquer coisa sem a supervisão feminina. O sexo é social e a maior parte do trabalho duro e perigoso que os homens costumavam fazer, ou é feito por máquinas "à prova de idiotas" ou é terceirizado em países onde o custo de vida é barato. Mulheres e homens desonrados microgerenciam agressões masculinas com leis e processos judiciais sem fim, e bad boys que não podem pagar por grandes advogados são chutados pra dentro de uma multibilionária indústria prisional, que ostenta a maior taxa de encarceramento do mundo.

Em nossa sociedade masturbatória de bonobos, trepar é uma das únicas coisas que os homens são encorajados a fazer que os fazem se sentirem realmente como homens. 


Por todo o Alt-Right2, vários autores criticam a cultura PUA e o "game". Porque praticamente a única coisa viril que os homens estão autorizados a fazer é transar, eu sou mais simpático essas coisas. Eu vejo o que muitos chamam de game como um tipo de "acesso à masculinidade". Game é essencialmente um treinamento de assertividade para uma geração de jovens que passaram a maior parte de suas vidas brincando de "o mestre mandou"3.

Virilidade é como um talento. Alguns machos são mais dotados que outros, mas como qualquer talento, a masculinidade tem que ser pressionada e desenvolvida para significar algo impressionante. Garotos que foram criados por mães solteiras ou pais superprotetores e expostos ao sistema de lavagem cerebral feminista das escolas públicas, nunca foram postos à prova ou treinados por grupos de homens severos. Você não pode entregar um diploma de ensino médio a um guri pau-mandado4 e esperar que ele cuspa igual a Clint Eastwood.

Quando falam sobre game, os homens na “manosfera” estão escavando através das besteiras que o sistema diz sobre garotas aos garotos. Este é um trabalho que precisa ser feito. Se os caras medianos acreditarem na baboseira oficial que é dita sobre sexo e relacionamentos, eles serão usados e abusados pelas exigentes5 mulheres americanas pelo resto de suas vidas. E, na medida em que se desfaziam dos mitos feministas sobre os sexos, eu vi muitos desses caras começarem a se perguntar o que realmente significava ser homem. Essa é uma conversa importante. Entretanto, até parece um caminho mais seguro no clima cultural atual, fazer da perseguição à boceta uma opção de vida em longo prazo. É aí que as médias positivas deslizam em direção a um extremo negativo. Andy Nowicki escreveu que se os homens realmente querem minar o matriarcado, eles deveriam parar de foder. Ele pode ter suas próprias motivações (possivelmente religiosas) para dizer tal coisa, mas eu acho que ele tem alguma razão nesse ponto.

Nossas feministas manipuladoras e globalistas adorariam mais do que qualquer outra coisa, manter os homens jovens – o grupo mais perigoso e potencialmente revolucionário em qualquer civilização – completamente distraídos pela boceta. E, embora possa sentir como se estivesse afirmando sua dominância (covenientemente da forma mais inofensiva possível), se tudo o que você faz é designado a torná-lo mais atraente para as mulheres, você é um “vibrador ansioso”. Quando os seus músculos são apenas para exibição, quando tudo o que você faz é para torná-lo mais desejável, você está interpretando o papel feminino. Quando o seu valor como homem depende do número de mulheres que você consegue levar pra cama, você não passa de um gigolô.

Como Hunter S. Thompson notou, sexo é a maior diversão dos amadores. É maravilhoso quando você é jovem, bonito, ingênuo e despreocupado - mas "putas velhas não dão tantas risadinhas".

Mark Simpson tinha compreendido muito disso quando, lá em 1994, cunhou o termo "metrossexual". O metrossexual não é necessariamente gay ou efeminado no sentido extravagante da palavra - essa é a apenas a maneira como a palavra “pegou” entre as pessoas. A ideia de metrossexual de Simpson é de um "homem espelho" cujas maiores preocupações narcisistas são a busca do prazer e ser considerado "desejável". Ele pode estar apaixonado por si mesmo, mas isso também é um tipo de amor frívolo. Ele liga mais para a aparência e para quão bem ele fode do que para o que conquistou ou o quanto é respeitado. É uma vaidade de prostituta.

Hugh Hefner estava muito a frente do seu tempo. Foram os homossexuais que abriram caminho para o estilo de vida bonobo em massa. Antes que os PUAs de hoje estivessem na pré-escola, eles já faziam isso por causa dos números, à procura de validação, baseando seu valor próprio em "quantos" e "quão gostosos". Homossexuais rejeitam expectativas e papéis masculinos tradicionais e canalizaram toda a sua agressão masculina para o sexo e por causa do sexo. Sua ideia de masculinidade tornou-se masturbatória - um Tom of Finland bombado, uma caricatura de forma masculina, sem função, honra ou virtude. Os homossexuais, por serem “homens”, definiram o cenário cultural para a objetificação masculina da mesma forma que os homens sempre objetificaram as mulheres. 


Como bonobos desbravadores, os homossexuais descobriram as desvantagens do meretrício. Um “pegador”6 experiente se viu obrigado a adquirir um punhado de DSTs, e a AIDS praticamente dizimou uma geração inteira de homens "sexualmente livres". Para muitos, existem também muitos custos psicológicos. Ser desejado é uma droga viciante. E quando esse é o seu valor mais elevado, isso se torna sua identidade. Um dos problemas – coisa que sempre foi uma maldição feminina – é que a atratividade sexual está ligada ao instinto de procriação, e tem seu pico na juventude. Os homens envelhecem de forma mais suave que as mulheres, mas a maioria que barganha seu “sex appeal” não alcança de forma tranquila a masculinidade da meia-idade, confiante e segura, de seus antepassados. Como os homossexuais e estrelas de cinema, eu me pergunto quantos dos “pegadores” modernos sairão em busca de esteroides, Viagra, e eventualmente se convencerão de que talvez a plástica facial de Kenny Rogers fique melhor neles do que ficou neste. (Não ficará, camaradas. Vocês ainda parecerão com uma lésbica velha que não consegue piscar). Particularmente, existe algo de desesperado, triste e indigno em um homem de certa idade que gasta muito tempo buscando por validação sexual.

O que é pior é que os heterossexuais não estão no mercado para os homens; eles estão no mercado para as mulheres, de modo que a biologia os coloca em grande desvantagem. O “estrategista em game” Heartsite, recentemente postou sobre uma experiência de encontros online na qual os dois caras mais bonitos, em conjunto, conseguiram obter um total de 50 mensagens de mulheres, enquanto que as mulheres mais atraentes do site receberam mais de 536 mensagens de homens, no mesmo período de tempo. Esse “campo de jogo” nunca chegará perto de ver qualquer igualdade, mas o game está ganhando popularidade porque os homens enxergam essa disparidade e querem aumentar suas chances.

Homens com boa aparência e algum game podem ser capazes de manter esse ritmo pela maior parte de suas vidas e acabarão tendo boas histórias para contar. Uma pequena minoria de homens sempre foi libertina e provavelmente alguns estão particularmente bem adaptados a isso. Uns terão arrependimentos e outros não.

O problema não é o que acontece para uns poucos pegadores, mas o que nos tornamos enquanto sociedade quando todo mundo quer ser pegador. A libertinagem costumava ser uma forma de rebeldia, mas cada vez mais faz parte do esquema. Em uma sociedade onde o sexo e a atratividade são os valores mais elevados, o que acontece com os outros dois terços da curva?

A carne não será democratizada. A atratividade não é mais uniformemente distribuída do que a força, o tamanho ou QI. O mundo é cheio de gente feia e gorda. As pessoas podem melhorar bastante com dieta, exercício e higiene – e deveriam –, mas você pode colocar batom em um porco e ainda assim ele continua sendo um porco. Alguns homens e mulheres simplesmente não têm uma boa aparência. Várias pessoas são, na verdade, bastante repulsivas. Algumas provavelmente deveriam evitar a luz do dia por completo, porque elas amedrontam as crianças pequenas.

As mulheres sempre foram conscientes do elitismo cruel da hierarquia natural da beleza. Em sociedades nas quais outras virtudes tiveram um valor maior, elas poderiam se concentrar na piedade ou simplesmente em serem boas mães. Quando as mulheres foram “sexualmente libertas”, algumas feministas (principalmente as gordas e feias) acharam que poderiam contar com o condicionamento social para dar a todos nós óculos com “visão de cerveja”7 permanente e tornar cada bruxa velha e inchada tão desejável quanto Heather Locklear. Se o problema fosse apenas da Barbie ter proporções realistas, ou de sermos forçados a ver mais obesos mórbidos na televisão, então, menos lágrimas cairiam nos potes de sorvete. Mas elas fazem pressão é pela “aceitação das gordas” e continuam nos dizendo que “o volumoso é belo”. Quando isso não funciona, elas nos represam com clichés ruins e tentam nos convencer de que a beleza ou está nos olhos de quem vê ou “no interior”. Nós podemos patrociná-las ou tentar ser mais sensíveis, mas fingir que todos são igualmente belos é tão absurdo e incorreto quanto fingir que todo mundo é um Einstein.

Ninguém quer uma boneca Barbie com canelas grossas8 e a desobjetificação das mulheres está em desacordo com o Zeitgeist da nossa ultra-sexualizada sociedade masturbatória de bonobos. Andrea Dworkin9 perdeu, e mais do que nunca garotas adolescentes estão assistindo pornô hardcore para aprender como rebolar, socar uma e engolir como as “profissas”. Eu vou para a academia e vejo caras que não estão ali para levantar ferro ou ficarem monstros. Eles estão seguindo treinos para “secar” e construir um corpo “para as gurias”. Essas gurias estão pegando um bronze, recebendo implantes nos seios e tentando ficar parecidas com strippers. Um amigo que ensina em uma escola da Califórnia disse que eles tiveram que cancelar o dia de Halloween porque as crianças não queriam mais ser assustadoras nem fofas. Os garotos e garotas, de modo idêntico, estavam usando o feriado como uma desculpa para irem à escola o mais próximo de nuas que era possível. 


 As pessoas costumavam ter aspirações mais decentes. Elas queriam formar famílias.las queriam fazer um bom trabalho. Queriam ser bons cidadãos, bons Cristãos, ser uma boa pessoa. Agora todo mundo quer ser pegador e estrela pornô. Todo mundo quer ser o tipo de macaco no qual os outros macacos querem se esfregar.

Nós chamamos essa orgia matrilinear de “progresso” e buscamos a nossa redenção moral na reciclagem.

Sexo pode ser natural, e com certeza é divertido, mas é apenas uma parte da vida. Uma sociedade que põe ênfase excessiva no sexo a ponto de parecer que a única coisa que significa algo na vida é grotesca e degradada, e que, para a maioria das pessoas, resulta mais em um vazio do que em êxtase.

Em patriarcados saudáveis, os homens se forçam a ganharem o respeito e a admiração dos outros homens. Eles trabalham para provarem sua força, coragem e competência uns para os outros. Os homens se orgulham de sua reputação pelo domínio dos seus corpos, suas ações e seu ambiente. Eles querem ser conhecidos pelo que são capazes de fazer, não apenas por quão bem ou quem eles fodem. E com certeza eles não perdem seu tempo tentando descobrir o que eles podem fazer para impressionar uma vadia burra.

Puta merda, em alguns lugares, quando um homem está pronto para arranjar uma esposa, ele apenas escolhe uma e a sequestra. Os homens costumavam se casar e tocar suas vidas. Parece um caminho de vida mais saudável para mim e eu tenho visualizado o que o outro lado tem a oferecer.

Recentemente, eu assisti Restrepo, um documentário sobre soldados lutando no Afeganistão. Tinha uma cena onde os americanos tinham que negociar com anciões de tribos locais. Os anciões eram um bando de caras velhos com um olhar muito sério e suas longas barbas eram vermelhas brilhantes tingidas com rena.

Nossos “aliados” tribais no cemitério dos impérios [Afeganistão] têm lá seus problemas. Eles cagam nas próprias mãos e estupram garotinhos. Seus costumes deixam espaço para muitas melhorias.

No entanto, enquanto eu assistia seus olhos sérios, eu me perguntava se qualquer um daqueles homens perdeu muito tempo se perguntando, “sou gostoso ou não?”.





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1. Referência ao reality show Keeping Up with the Kardashians.
2. Alternative-Right (http://alternative-right.blogspot.com.br/)
3. “Mamãe, eu posso?”, ao pé da letra.
4. hen-pecked, dominado, capacho, escravo de boceta ou “mangina”.
5. entitled, intitulada ou “cheia de direitos”.
6. player, jogador, o cara que faz uso do game.
7. beer goggle, efeito causado pela bebida alcoólica que torna as outras pessoas mais bonitas aos nossos olhos.
8. cankles {calf (panturrilha) + ankle (tornozelo)}. Quando a perna tem praticamente o mesmo diâmetro em toda sua extensão e dá um aspecto de “roliço”, comum nas pessoas gordas.
9. Feminista famosa por fazer ferrenha oposição à pornografia.

Escrito por Jack Donovan
Traduzido por Lucas

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Individual ou coletivo?


Essas são duas concepções que embasam as visões de mundo no aspecto político atual - ou você confere importância ao indivíduo para que a dignididade e a liberdade constituam a organização social coletiva; ou suprime essa noção e cria uma de coletividade alheia ao indivíduo; onde ele se torna apenas um instrumento da realização coletiva.

Não é difícil relacionar essas concepções das visões de direita e esquerda, de conservadores e liberais. Temos por princípio conservador a autonomia e a dignidade humana, direitos inalienáveis, bem como a propriedade privada e a livre iniciativa; pilares sem os quais (na visão conservadora) não se pode erigir uma sociedade organizada e justa. Já para os adeptos do coletivismo e do materialismo, o indivíduo deve ser suprimido até desaparecer, para que desse substrato emerja uma sociedade ideal, igualitária.

A noção da valorização do indivíduo tem sua raiz na grécia antiga mas é colocada sob os holofotes com o advento do cristianismo; que coloca a concepção humana como ato estritamente divino e merecedor de proteção e direitos desde a sua concepção. É através da valorização do indivíduo e seu religamento ao divino que os frutos e virtudes aparecerão e permitirão que a sociedade se estruture, através da família.

Por outro lado, a negação do "eu" (não confundir com negação do ego), tem raízes no pensamento comunista pensado por Marx. Para ele, os pensamentos, ações e até mesmo necessidades básicas humanas são fruto da guerra de classes, sendo definidas desde o nascimento pela sua condição social. E a única forma de transcender essa disparidade seria o fim das classes, através da vitória dos proletários, que se tornariam a classe dominante, acabando assim (acredite se quiser), com todo e qualquer conflito humano. É nesse aspecto que a noção de indivíduo deve ser negada em detrimento do coletivo. Não seríamos mais seres individualmente designados e formados, mas uma massa amorfa dentro de uma classe e de um sistema econômico.

Que valor teria então uma vida humana, diante de tamanha utopia revolucionária que seria desenhada nesse futuro (in)certo? Ou que seja; uma dezena, uma centena ou centenas de milhões de vidas? Se esse é o prelúdio para que a utopia da igualdade absoluta seja alcançada, nenhum preço seria alto demais, certo?

É com essa certeza religiosa de um paraíso futuro (e indeterminado) sobre a terra que se formaram os governos mais sanguinários que a história já testemunhou. E é a incitação do ódio, da revolta e do descontentamento, usados como combustível para acender a chama que culminaria na revolução. É a crença no poder criador do mal; no fato de que fomentar a maldade produzirá bondade e justiça.

Surge assim, a separação clara entre aqueles que buscam a manutenção de valores universais imutáveis e os que procuram subverter a ordem das coisas, crendo ter em sua mente a fórmula redentora para todo o mal que assola o mundo. Esse é o embrião do maior male que enfrentamos na atualidade: a mentalidade revolucionária. É a ilusão que o indivíduo incute na própria mente de que porta uma verdade superior que ao ser implantada livrará o mundo de seus males. Uma contradição absoluta entre o dogma cristão de que a salvação virá pelas mãos do Criador, para todos aqueles que O buscarem e seguirem; que o papel do homem é mudar a si mesmo e não ao mundo.

Esses são alguns dos pontos abordados num diálogo hipotético construído pelo Dr. Peter Kreeft em seu livro "Sócrates Encontra Marx"; desconstruindo uma série de contradições lógicas, distorções históricas, vícios de compreensão e outras mazelas que acometem a mente de todo aquele que tenta compreender o mundo à partir de si mesmo, dentro de suas limitações, não se abrindo para o transcendente e o metafísico.

E aqui está um dos meus trechos favoritos dessa obra:

SÓCRATES: Idolatras o "nós" e negas o "eu"; no entando o "nós", a sociedade, as massas - sim, mesmo o proletariado - acreditam no "eu" e não em tua filosofia que nega o "eu" em prol do "nós". Apenas alguns poucos indivíduos da elite, apenas os letrados, os alienados, os desarraigados acreditam em ti. As massas se compõem de camponeses supercticiosos, de tradicionalistas religiosos, de velhos e antiquados conservadores como eu. Eles temem a sua revolução.

MARX: É porque não sabem o que é melhor pra eles - e é por isso que precisam de meu livro e por isso que eu o escrevi.

SÓCRATES: Sabes o porquê de eles temerem a sua revolução?


MARX: É claro: porque são conservadores.

SÓCRATES: E sabes por que são conservadores?

MARX: Porque são estúpidos.

SÓCRATES: Não, porque são felizes.

MARX: Isso é uma baboseira completa.

SÓCRATES: Vejamos. Por que eles são chamados de "conservadores"?

MARX: Porque se opõem à mudança.

SÓCRATES: E por que eles se opõem à mudança?

MARX: Porque querem conservar a ordem antiga.

SÓCRATES: Certo. Agora, nós buscamos conservar as coisas que nos fazem felizes ou as coisas que nos fazem infelizes?

MARX: As que nos fazem felizes.

SÓCRATES: E nós buscamos mudar as coisas que nos fazem felizes ou as coisas que nos fazem infelizes?

MARX: As que nos fazem infelizes.

SÓCRATES: Portanto, os conservadores, por definição, são felizes; eles são conservadores porque são felizes. Já os radicais, por definição, são infelizes; eles são radicais porque são infelizes. Com efeito, alguns deles são tão apoquentados que tudo o que desejam é destruir tudo o que vêem e escrever palavras apocalípticas, como "tudo o que existe merece perecer".







segunda-feira, 20 de maio de 2013

O luxo ocidental aos olhos do mercador marroquino

"Hoje tive uma animada discussão com um comerciante de Fez (segunda maior cidade de Marrocos) para descobrir o que os mouros acham da civilização européia. Ele era um homem fino, com cerca de quarenta anos de idade e uma face séria e honesta. Fizera viagens de negócios às mais importantes cidades da Europa ocidental e vivera bastante tempo em Tânger, onde aprendeu o espanhol. Perguntei-lhe que tipo de impressão as grandes cidades européias lhe causaram.




Ele me olhou duro e respondeu friamente: 'Ruas amplas, lojas finas, lindos palácios, boas oficinas, tudo limpo.' Deu a impressão, com estas palavras, que mencionava tudo que era digno de louvor nos países europeus.
'O senhor não encontrou nada mais que seja belo e bom?', eu lhe perguntei. Fiz referência aos confortos da civilização européia...
'Isto é verdade', retrucou ele. 'Um pouco de sol? Uma viseira! Chuva? Uma sombrinha! Poeira? Um par de luvas! Uma caminhada? Uma bengala! Olhar em volta? Um par de óculos! Uma excurssão? Um carro! Para sentar? Uma cadeira! Comer? Garfos e facas! Um arranhão? Um médico. Morte? Uma estátua! Vocês são realmente homens? Por Dios, vocês são crianças!'

Ele chegou até a caçoar de nossa  arquitetura quando mencionei o conforto de nossas casas. 'O quê? Trezentos de vocês vivendo em um único prédio, um em cima do outro! Você tem de subir, subir, subir... Não há ar, nem luz, nem jardim!'

Então eu lhe disse que num domínio ele certamente reconheceria nossa superioridade, pois, em vez de ficarmos preguiçosamente sentados por horas com as pernas cruzadas, empregávamos nosso tempo em milhares de atividades úteis ou divertidas. A isto ele deu uma resposta mais sutil do que eu esperava: não lhe parecia um bom sinal, respondeu, que sentíssemos necessidade de fazer tantas coisas para passar o tempo. A própria vida deveria ser uma tortura para nós, se éramos totalmente incapazes de nos sentar quietos por uma única hora, sem ficarmos mortos de tédio tendo de buscar alívio em alguma distração ou conversa. Tínhamos medo de nós mesmos? O que era que nos atormentava?

Mas afinal, perguntei-lhe, o senhor não trocaria sua situação pela nossa? Ele pensou um pouco e respondeu: 'Não. Pois vocês não vivem mais do que nós, não são mais saudáveis do que nós, nem melhores, nem mais piedosos, nem mais felizes. Vocês deveriam nos deixar em paz. Não queiram que todos devam viver como vocês e ser felizes segundo seus padrões. Não é atoa que Deus colocou um mar entre o norte da África e a Europa.' "


Essa singular, surpreendente e elucidativa conversa - reproduzida em Fez, City of Islam, de Titus Burckhardt - aconteceu entre um comerciante muçulmano de Fez, Marrocos, e o embaixador italiano neste país. O colóquio entre o diplomata ocidental e o mercador magrebino aconteceu no final do século XIX. Nem por isso perdeu sua atualidade.

De fato, os encontros - seria mais correto falar em desencontros - entre a moderna civilização ocidental, dessacralizada, cientificista e tecnológica, e a civilização tradicional, no caso a islâmica, têm se repetido ao longo de todo o século XX. A conversa entre o embaixador do mundo moderno e o homem tradicional é relevante e atual porque toca em questões que muitos de nós já se puseram. Apesar do século que já se passou desde a conversa, os desafios colocados pelo mercado magrebino continuam de pé.

Nossas cidades são realmente muito grandes, aparentemente limpas, mas o homem de Fez intuiu a falta de algo, de alma e de verdade talvez, numa estrutura que parece mais voltada às máquinas ou às formigas do que a seres humanos concebidos em sua integralidade - feitos de corpo, alma e espírito.

Somos comparados a "crianças", viciados e obcecados que somos pelo conforto. O homem de Fez indica que, além de certos limites, o conforto acaba por embotar a vivacidade e o senso de proporções, para não dizer até a virilidade do homem moderno. Em sua maneira simples e direta de falar, aponta para o caráter muitas vezes desumano da arquitetura moderna, que nos priva entre outras coisas de um contato direto com a natureza e seus ritmos.

Finalmente, faz menção à nossa incessante agitação, na maior parte das vezes estéril. Por que, pergunta ele, sem obter resposta, nossa incapacidade para o silêncio e para o repouso? O que afinal nos preocupa? O que nos atormenta? Aonde queremos chegar? Não estaria também correto ao não nos considerar, de fato, nem melhores nem mais felizes do que eles, os homens tradicionais? Por que então, queremos impor nosso padrões? Será que é porque, como diz um antigo ditado: "a desgraça quer sempre companhia"?



domingo, 31 de março de 2013

Dar e receber, perdoar e vingar




"Ninguém pode receber mais do que dá, porque é o dar que cria a capacidade do receber. A receptividade é produzida e aumentada pela medida da vontade de dar. A medida dos dons que de Deus se recebe corresponde à medida da boa vontade com que se dá aos semelhantes o que se tem e o que se é.

No plano das coisas materiais, geralmente, quem dá esses dons perde-os e é empobrecido, e quem se apodera das coisas físicas enriquece. Mas no plano do espírito é exatamente o contrário: quem dá aos outros o que tem é enriquecido - e quem se recusa a dar, ou até tira dos outros, é empobrecido. Se dou aos outros o meu saber, possuo-o em maior abundância do que antes. Quanto mais amor dou a meus semelhantes, tanto mais abundante possuo a riqueza do meu amor.

O perfeito egoísta é um recebedor exclusivo - o perfeito altruísta é um doador universal. O egoísta é, por isso mesmo, a encarnação da indigência - como o altruísta é a personificação da abundância. Quem só pensa em receber é um escravo infeliz - quem de preferência pensa em dar é homem livre e feliz."*






Quando confrontadas a respeito dessa verdade, a maioria das pessoas a considera absurda. A lógica que rege o mundo é a da conquista, da acumulação, da competição, e não a da partilha e da colaboração. Ainda que no plano físico a matemática seja simples, não é o simples acúmulo (seja de bens, conhecimento ou sentimentos) que trará a prosperidade comum. E como somos seres sociais, totalmente dependentes de um ambiente propício e interação para vivermos com qualidade, quanto mais nossa mente for voltada para o acúmulo, maior tribulação nos acometerá no fim das contas.

Portanto, não só no plano espiritual, a partilha e a transmissão são práticas saudáveis e multiplicadoras em todos os sentidos. Essa realidade só é percebida para os que a praticam; ou seja, os que escolhem abrir mão da aparente lógica por trás dessas práticas. Uma pessoa nunca conseguirá entender através de explicações externas, a satisfação que é fazer de si mesmo, um agente transmissor e potencializador de virtudes.

A compreensão da ordem divina que rege o mundo vem como consequência da escolha racional de olhar menos para dentro de si e mais para as necessidades que nos cercam. Isso se dá por que o instinto protetivo e de auto-preservação já nos acompanha desde o nascimento. Não precisamos ser ensinados a cuidar de nossos próprios interesses, no entanto, um trabalho forte e constante é necessário para que consigamos encontrar verdadeiro regozijo na satisfação das necessidades do próximo.

Acontece que existem barreiras criadas por nosso ego (eu cósmico) que nos impedem de extender nossa consciência a esse ponto, nos prendendo somente na satisfação de necessidades próprias. Dessa forma, a não-identificação com o próprio ego é a única forma de conseguirmos desprendimento desse plano limitado de compreensão e ação. E para que isso aconteça, antes de tudo é necessário que aprendamos a perdoar, mas não somente isso:


"A verdadeira felicidade consiste na posse de tesouros imperecíveis, e estes valores eternos só podem vir da suprema Realidade, Deus. Mas esses tesouros só podem ser recebidos por quem é receptivo, e a creação dessa receptividade depende da minha interna atitude de generosidade e liberalidade, da facilidade com que partilho com meus semelhantes o que tenho e o que sou. Esse dar do próprio Eu, essa espontânea doação da própria pessoa em benefício dos outros é um doar completo, um perdoar¹.

O sentido profundo é este: o ofendido deve desligar-se do ofensor, ignorá-lo, não tomar nota; não deve sentir-se ofendido. Somente é ofendível o homem-ego, ao passo que o homem-Eu é inofendível. O ego ofendível é como água, que é alérgica às impurezas do ambiente e é por ele contaminada. O Eu, porém, é como luz ("vós sois a luz do mundo"), que é absolutamente incontaminável pelo ambiente; não existe luz impura; ela é pura no meio de ambientes impuros. A imunidade da luz é absoluta, ao passo que a imunidade da água é relativa.

Assim, o Eu, que é luz, é inofendível, ao passo que o ego, que ainda é como água, é ofendível. Muitas vezes o ego se sente ofendido; mesmo quando não há ofensor ele inventa pseudo-ofensas. Quem se sente ofendido confessa que se acha no mesmo plano do ofensor; quem não se sente ofendido está num plano acima do ofensor².
A lei de Moisés manda vingar a ofensa - "olho por olho, dente por dente". Certos teólogos mandam perdoar a ofensa. Mas, tanto o vingador quanto o perdoador provam que ainda estão no plano inferior da egoidade, uma vez que somente o ego é ofendível.³

Melhor do que vingar ou perdoar é desligar-se, ultrapassar o horizontal do ego ofendível e subir para a vertical do Eu inofendível."*

É assim que funciona uma consciência elevada, verdadeiramente evoluída no sentido de compreender que não pertence a este mundo, mas está aqui apenas de passagem, para cumprir certos desígnios.

Dar demasia importância às coisas terrenas a ponto de deixar que a vida se torne uma constante busca por realizações terrenas é uma ofensa direta a Deus, que nos criou com consciência, inteligência, capacidade crítica e investigativa; todas as ferramentas possíveis para que investiguemos assuntos e questões da ordem metafísica e espiritual. É nesse ponto que a esmagadora maioria da humanidade sempre se perdeu.

"A evolução humana consiste essencialmente na expansão progressiva da sua consciência, no desdobramento ou alargamento do seu Eu individual rumo à consiência universal; ou seja, na transição da consciência unilateral, egocêntrica, para a consciência onilateral, cosmocêntrica."*


 A não-identificação é a chave para o verdadeiro perdão. E o perdão é o que nos abre as portas para compreender essa verdade essencial sobre dar e receber. Sem estas bases bem estabelecidas é impensável que consigamos entender sequer os fundamentos do amor de Cristo por nós, e consequentemente do nosso diante dos outros. Ninguém pode dar o que nunca recebeu, mas o fato é que já recebemos mais amor do que podemos compreender.





* Trechos do livro A Metafísica do Cristianismo, de Humberto Rohden

¹ Em todas as línguas a palavra "perdoar" é um composto de "dar" ou "doar". Perdonare (de donare, doar), vergeben (de geben, dar), forgive (de give, dar). Os prefixos "per", "ver", e "for" denotam totalidade, plenitude, inteireza.

² Como ilustrado pelo texto: "Os níveis do Ser Humano"

³ Existem práticas na doutrina gnóstica sobre como silenciar o ego, ou mesmo "matá-lo"; embora eu não recomende esse tipo de leitura para pessoas que não possuem uma forte base espiritual prévia.

terça-feira, 26 de março de 2013

O Sobrenatural Natural



Vou basear a reflexão de hoje em trechos tirados do livro "A Metafísica do Cristianismo", do filósofo brasileiro Humberto Rohden, que explica com simplicidade e objetividade como deveria se dar a ascensão espiritual de forma mais natural possível:









"O século XIX foi o século do materialismo clássico; hoje, cientificamente falando, o materialismo morreu... por falta de matéria, pois a ciência provou que a matéria não existe, é uma simples forma ou um estado de ser da energia. A mesma energia pode aparecer visível e invisível. A mesma matéria pode ser objeto dos nossos sentidos e pode, também, ser de todo imperceptível.

Coisa análoga dá-se todos os dias na natureza; as plantas extraem da terra elementos inorgânicos, chamados "não vivos", e, sob o impacto da vida, ou do princípio vital, transmudam essas substâncias "mortas" em substâncias "vivas" - verdadeira ressureição.
Os animais, por seu turno, assimilando as plantas, conferem sensibilidade a seres insensíveis.

Para realizar essas ressurreições, basta que a planta ou o animal consigam permear completamente do seu princípio vital ou sensitivo as substância não vivas ou não sensitivas, e assim as vitalizam ou sentivizam.

Nada disso é milagre ou exceção das leis da natureza, mas uma constante afirmação e confirmação dessas mesmas leis. Da mesma forma, não é milagre que o nosso corpo material, sob o poderoso impacto do espírito, a mais alta energia do universo, seja transformado em corpo espiritual, isento das leis da gravidade e dimensão que regem a matéria no plano inferior da existência.

Um dos maiores obstáculos à compreensão desse processo é o costume tradicional e errôneo de dividirmos a realidade em zona natural e sobrenatural. De fato, o sobrenatural é um simples refúgio da nossa ignorância. Para Deus não há sobrenatural, e quanto mais o homem se diviniza pela expansão da sua consciência, tanto mais perde a noção do sobrenatural e tanto mais natural considera tudo o que acontece. Deus é infinitamente natural, e é esta a razão por que nós, sendo apenas finitamente naturais, o consideramos sobrenatural.

Para o mineral, a vida da planta é sobrenatural. Para a planta, a sensitividade do animal é sobrenatural. Para o animal, a atividade intelectual do homem é sobrenatural. Para o homem simplesmente intelectual, o mundo espiritual é sobrenatural. Mas todas essas "sobrenaturalidades" são apenas relativas, tomando da perspectiva do observador que se acha em plano inferior; visto do plano superior, o sobrenatural é natural. Do plano supremo ou divino, nada é sobrenatural, tudo é absolutamente natural."


Esse trecho nos apresenta uma outra perspectiva para a compreensão do sobrenatural. Tudo aquilo que nos parece misterioso, inatingível ou mesmo inexplicável, não é nada além de uma realidade natural, mas que é indecifrável/imperceptível diante das limitações dos nossos sentidos e capacidades normais.

A grande diferença entre os seres humanos e as formas inferiores de existência nesse plano, é que temos uma consciência capaz de se expandir e adquirir compreensão dos planos de existência superiores (plano espiritual). Dessa forma, o que nos parece sobrenatural nos é revelado como um outro plano natural, o metafísico.

Ocorre que essa ascensão da compreensão humana, que seria o degrau mais elevado em nossa jornada interior, requer que estejamos perfeitamente alinhados com as leis divinas que foram feitas para a organização total do universo. Podemos dizer com segurança que estamos num plano regido por leis cósmicas (cosmo, do grego antigo κόσμος, transl. kósmos, "ordem") e não um universo de caos (desordem e confusão). 

E é por vivermos num universo de ordem, que estamos, de plano, impedidos de viver de maneira completamente alheia a sua organização e sua lógica. Sendo assim, temos apenas duas decisões possíveis para tomar ao escolher como pautaremos nossa existência. Podemos escolher cumprir com gozo ou com sofrimento, a vontade creadora¹ do Universo, estabelecida por Deus. A escolha da forma com que cumpriremos tais desígnios é tudo.

Acontece que os seres humanos costumam cumprir a vontade de Deus de maneira dolorosa, com muitos sofrimentos e sacrifícios. Mas isso é tudo o que o livre-arbítrio lhes faculta fazer. Eles o fazem assim porque julgam poder encontrar felicidade no cumprimento da sua vontade humana contra a vontade divina. É desnecessário dizer que para que a vontade creadora¹ se manifeste e seja cumprida com alegria, a criatura se disponha a submeter seus ímpetos e vontades à vontade divina.

E é esse o fardo e o dilema que marca a vida de quase que a totalidade de quem busca esse caminho mais elevado. Mas as coisas não deveriam ser assim. Elas não precisam ser assim. Entendamos:

"Existe uma literatura devocional que pretende fazer crer que a vida de Jesus Cristo foi uma vida triste, dolorosa, e que todo cristão genuíno deva levar a vida de tristezas e dores. A verdade, porém, é que nunca foi vivida sobre a face da terra uma vida mais bela e jubilosa que a do Nazareno, uma vez que para ele a espiritualidade não era sacrificial e cruciante, como é geralmente para seus discípulos, mas divinamente deleitosa, tanto assim que ele compara o cumprimento da vontade do Pai celeste a um banquete ou manjar apetitoso: "O meu manjar é cumprir a vontade daquele que me enviou" (Jo 4:34). O místico, o homem plenamente cristificado, é o único homem que pode realmente gozar as coisas belas do mundo de Deus, porque está em perfeita harmonia com o Deus do mundo, e o seu gozo não contém o menor ressaibo de amargura, como necessariamente acontece com o gozador profano, o homem que quer gozar o mundo de Deus sem estar em paz com o Deus do mundo. O homem espiritual não só conhece as alegrias puras do espírito, mas é também o único homem que pode gozar em cheio das belezas do mundo material, porque goza-as com liberdade interior - goza-as sem temor nem remorso, descobre-lhes a suavidade interna, que para o gozador materialista é desconhecida. A verdadeira mística é poesia e delícia, porque é retidão e racionalidade.

Pensam os inexperientes que a mística e a racionalidade sejam duas coisas incompatíveis e mutuamente exclusivas, quando na verdade o único racionalista genuíno é o místico; é o realista por excelência, como o Cristo, que, sendo o rei da mística, era também o rei da racionalidade. Com efeito, tanto mais realista e racional é o homem quanto mais espiritual e místico. Deus, o Espírito infinito, é também a Razão sem limites e a Realidade absoluta.

O que não é feito com facilidade e espontânea alegria não tem garantia de perpetuidade, como vemos em todos os reinos da natureza. Se tivéssemos de comer e beber e dormir e procriar filhos unicamente pelo estrito senso do dever, já não existiria ser vivo sobre a terra, e a humanidade estaria extinta há muito tempo. A natureza sabe porque associou o deleite a todas as coisas necessárias. O mesmo acontece nas regiões superiores da vida. Enquanto a vida espiritual for para mim um sacrifício diário e uma tortura perene, não tenho garantia de perseverança no terreno da espiritualidade; cedo ou tarde, em lances críticos, a minha "virtude" falhará, como acabarão por falhas todas as atitudes difíceis e penosas.

Só no dia em que os cruciantes imperativos da ética se transformarem em exultantes optativos da mística; quando a amargura do dever se converter na suavidade do querer; quando eu puder em verdade dizer com o salmista: "Eu amo a Tua lei, Senhor, e os Teus preceitos são a minha delícia" - só então terei sólida garantia para a perpetuidade da minha vida espiritual. Enquanto o amor para com meus inimigos me parecer absurdo ou heroico; enquanto o receber me der maior felicidade que o dar; enquanto o espírito do Sermão da Montanha me parecer apenas um longínquo idealismo teórico, e não um propínquo realismo prático - não terei uma espiritualidade feliz; não terei feito a vontade de Deus aqui na terra assim como ela é feita nos céus. "Deus ama um doador alegre" - e não um servidor tristonho e gemebundo."

Esse é o caminho das pedras. Essa é a verdadeira transformação da mente que irá experimentar a perfeita vontade de Deus. É a diferença dos que se convertem e dos que apenas se convencem.

É através desse processo natural que encontraremos dentro e diante de nós, o verdadeiro sobrenatural. O sobrenatural natural!


¹: Até bem pouco tempo, existiam os verbos CREAR e CRIAR, os quais não eram sinônimos. Crear significava "tirar do nada", e era verbo irregular; o segundo vocábulo, criar, significava "dar de comer", "nutrir". Essa é a razão pela qual, os dois conceitos se tornam filosoficamente incompatíveis; sendo portanto, de extrema importância que a distinção permanceça acontecendo, para que não haja confusão entre os dois conceitos.

 







O homem perfeito não será, pois, um homem sem corpo - que não seria homem na verdade -, mas um homem cujo princípio superior (alma) penetrou plenamente no princípio inferior (corpo).
'E haverá um novo céu e uma terra nova... Deus habitará no meio dos homens... E o reino dos céus será proclamado sore a face da terra..."